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Décima terceira badalada

Por Rogério L. Furquim Werneck
Atualização:

No início da semana passada o País foi surpreendido pela notícia de que o governo decidira impor um estapafúrdio regime de licenciamento prévio de importações. Dois dias depois, o Planalto esclareceu que tudo não havia passado de uma "barbeiragem" e exigiu que os responsáveis pela medida dessem o dito por não dito. Será lamentável se o episódio cair no esquecimento. É importante perceber seu real significado e a extensão da fragilidade que a trapalhada deixa transparecer. A economia brasileira tem mais de US$ 200 bilhões de reservas e conta com a flexibilidade de um regime de câmbio flutuante, que permitiu depreciação considerável do real nos últimos seis meses, na esteira do agravamento da crise econômica mundial. Como foi possível que a simples e já esperada ocorrência de um saldo mensal negativo na balança comercial - depois de 92 meses consecutivos de saldos positivos - tenha deflagrado reação tão primitiva e impensada na equipe econômica do governo? O caso envolve muito mais do que o acionamento inepto de um botão errado no painel de controle da política econômica. O que é espantoso é que a equipe tenha voltado a instalar no painel um botão que, acreditava-se, havia sido removido de vez ao fim de duas décadas de penoso processo de aprimoramento da condução da política econômica no País. Uma dimensão importante da inépcia é a incapacidade de vislumbrar efeitos colaterais de medidas supostamente bem-intencionadas. O governo se surpreendeu com o clima de alarme que o anúncio do licenciamento de importações desencadeou no sistema produtivo, especialmente na indústria. Foram noticiados casos de paralisação de linhas de produção de empresas que se habituaram a não manter estoques significativos de insumos e componentes importados. Os responsáveis pela decisão não tinham aparentemente percebido quão dependentes de importações se tornaram as exportações industriais. Já não é o Brasil dos anos 70. Exatamente quando o País se mobiliza para desentravar suas exportações, não ocorreu ao governo melhor ideia do que introduzir novo e importante elemento de incerteza nas vendas ao exterior, brandindo com um tacape protecionista a ameaça de emperrar o fluxo de importações com que contam os exportadores. Em face da péssima repercussão da medida e da embaraçosa necessidade de dar o dito por não dito, houve em Brasília heroica tentativa de conter danos e circunscrever a trapalhada ao âmbito do Ministério do Desenvolvimento, para grande irritação dos que foram escolhidos para aloprados expiatórios. Mas quem quer que tenha acompanhado a condução da política econômica no Brasil nas últimas décadas bem sabe que uma medida dessa importância jamais poderia ser anunciada sem prévia e devida anuência do Ministério da Fazenda. Seja como for, as duas versões possíveis são igualmente desgastantes. Se de fato a Fazenda nada sabia, o que se configura é um caso alarmante de caótico descontrole da condução da política econômica. São por demais conhecidas as deficiências da equipe econômica com que o presidente Lula pretende atravessar os problemáticos dois anos que lhe restam de mandato. Formada com leveza entre 2005 e 2007, quando o ambiente externo favorável propiciava verdadeiro céu de brigadeiro, a equipe se mostra a cada dia mais inadequada, à medida que se agrava o difícil quadro de incerteza que a crise econômica mundial vem impondo à economia brasileira. Já não se trata de operar o piloto automático, mas de responder a situações novas com serenidade, ponderação e competência para saber explorar com eficácia o espaço de manobra inevitavelmente mais exíguo que a crise mundial vem deixando à condução da política econômica no Brasil. A trapalhada do licenciamento prévio serviu para expor as óbvias limitações da equipe econômica para o desempenho adequado desse papel. O episódio soou como a 13ª badalada, que, se nada informa sobre a hora, não deixa mais dúvida sobre o que se pode esperar do relógio. A desproporção entre as limitadas possibilidades da equipe e a magnitude do desafio de formulação e condução de política econômica com que se defronta o País, em face da crescente complexidade da crise, talvez seja hoje o flanco mais vulnerável da economia brasileira à rápida e preocupante deterioração do ambiente externo. *Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Uni versidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

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