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'Declarações de Bolsonaro não afetam planos da China para o Brasil'

Para diretor da consultoria francesa Mazars, chineses têm planos de investimento de longo prazo no Brasil e essa estratégia não deve mudar

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Por Iander Porcella (Broadcast)
Atualização:

As declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a China, algumas feitas até mesmo durante a campanha eleitoral de 2018, não afetaram a relação do país asiático com o Brasil, na avaliação de Hsieh Yuan, diretor de Mercados e líder do escritório de China da consultoria francesa Mazars no Brasil.

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No ano passado, o então candidato do PSL à Presidência chegou a dizer que os chineses estavam “comprando o Brasil”. Mas, na opinião de Yuan, um chinês radicado no Brasil, os planos da China em relação ao País não mudaram. “Os chineses têm planos a longuíssimo prazo e eu acho que uma declaração ou outra não impacta o planejamento máximo do governo chinês”, ressalta.

Para ele, há oportunidades para investimentos da China no Brasil em diversos setores, como agronegócios e energia renovável. Mas diz que é necessária uma simplificação do sistema tributário brasileiro, que facilitaria a vida do investidor chinês, e que, além disso, empresários brasileiros precisam conhecer melhor o principal parceiro comercial do País. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Hsieh Yuan, diretor de Mercados e líder do China Desk da consultoria Mazars. Foto: Mariana dos Santos Silva/Mazars

Nas últimas semanas, após o anúncio do crescimento de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no terceiro trimestre, aumentou a expectativa pelo retorno do investidor estrangeiro ao País. Os chineses devem aumentar seus investimentos aqui?

Os chineses continuam firmes. A programação de investimento deles tem sido bastante consistente. Você vê a presença chinesa aqui em boa parte dos leilões. Então, a gente vê que o investimento é contínuo e bastante forte. Existe uma estratégia maior da China, pela escala deles, de trabalharem com energia, e também para garantir suprimento de proteína, o frango, a carne suína.

A energia renovável é um dos setores que podem receber investimentos?

Quase todas as empresas em que eles investem aqui no Brasil trabalham com energia renovável. Você olha para a CTG (China Three Gorges Corporation) e ela caminha totalmente voltada para energia renovável. Você olha a Goldwind, que é especialista em eólica, e eles assumiram o gerenciamento de várias fazendas eólicas aqui, têm contratos de manutenção. Então, você olha os players que estão aqui no Brasil e quase tudo em que eles estão investindo é renovável.

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Quais outros setores são de interesse da China?

O interesse é em toda a cadeia produtiva. Os chineses já participam da parte química, de adubos. Eles querem participar da parte de sementes. Eles têm interesse nisso porque depois vai sair o milho, a soja (que a China importa do Brasil). É muito claro para a gente alguns setores em que os chineses vão colocar os investimentos. Agronegócios, desde tratores, implementos agrícolas, drones, financiamento, em tudo isso o chinês topa colocar dinheiro. Outro polo é energia, que a gente já falou. Tem toda parte de infraestrutura e também de logística. E mais para a frente a gente vai ver o pessoal de health care, de equipamentos hospitalares. A parte de turismo também, o chinês já visitou todo o sudeste asiático até a Austrália, foi para a Europa, Estados Unidos. Agora, a América do Sul ainda está meio inexplorada e a tendência é vir para cá.

Qual é o foco da China no que se refere a investimentos em infraestrutura e logística?

A gente está olhando de forma bastante clara o investimento em portos. Hoje, os portos chineses são muito eficientes. E a gente vê aqui no Brasil o porto de Paranaguá, onde as obras terminaram e eles estão inaugurando, e tem uma semelhança operacional com um porto chinês. Então, assim que começar a ter volume naquela operação, eles esperam que possa trazer um outro patamar de eficiência nos portos. Isso significa custos mais baixos e tempo reduzido na operação. O Brasil pode dar um salto de qualidade nessa tendência de transporte intermodal. E a gente espera que, no futuro, tenha o que está disponível lá na China, que é o transporte fluvial, ferroviário.

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O que o Brasil precisa fazer para atrair mais investimentos da China?

Eu acho que o Brasil já está trabalhando nisso, é um local fértil para os investimentos chineses. Mas há alguns detalhes, dos quais a gente sempre escuta reclamação. Não são impeditivos, mas podem melhorar. Precisa fazer alguns ajustes de contrato, dar uma ajustada nas modelagens, de forma mais moderna para o apetite do investidor. Têm algumas coisas de infraestrutura. Por exemplo, é absurdo a gente não ter nos dois principais polos econômicos brasileiros, São Paulo e Rio de Janeiro, um trem-bala que chegue em uma hora e pouco. Tem de achar alguma modelagem que viabilize isso. Seria um benefício geral, para toda a cadeia de valores. Hoje, para fazer uma reunião no Rio e voltar, você paga em torno de R$ 1,4 mil em passagens. Depois da eficiência de aeroportos e portos, eu acho que essa é a tendência. Isso já é realidade lá na China, já tem projeto, então não precisaria inventar a roda, e teria o próprio financiamento por parte dos chineses. E os bancos de fomento chineses devem privilegiar esse tipo de projeto de logística.

A discussão sobre uma reforma tributária no Brasil tem avançado, embora o governo só deva enviar sua proposta ao Congresso no próximo ano. Uma simplificação das regras tributárias brasileiras ajudaria a atrair mais investimentos da China?

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Qualquer executivo chinês chega aqui e uma das primeiras observações que ele faz é: “Puxa, aqui o sistema tributário é confuso, né?”. Na minha percepção, eles já têm o conhecimento de que é confuso, então na hora de planejar eles tornam o projeto mais caro porque às vezes eles não conseguem chegar ao custo real dos impostos e taxas. A gente fica na desvantagem, o Brasil não é tão competitivo na hora de fazer o projeto (de investimento). A complexidade gera insegurança. O investidor internacional vai para a China e sabe exatamente o que vai pagar. É a esse pragmatismo que a gente tem de chegar na nossa reforma tributária.

Quais oportunidades de negócios existem na China para os empresários brasileiros?

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Os empresários brasileiros já estão bastante familiarizados com Europa e Estados Unidos, então eles poderiam ler um pouco mais sobre a China. E quando eles puderem, em vez de marcar reunião do Conselho da empresa em Buenos Aires ou na Europa, marca em Pequim, em Xangai. Eu vejo muitas empresas multinacionais fazerem isso, forçarem o executivo a se deslocar para lá. Ele pode visitar empresas, concorrentes ou parceiras, para entender as coisas locais, e ver que toda movimentação político-financeira, que pendia para o Ocidente no último século, hoje tem uma forte tendência de caminhar para a Ásia. Os empresários brasileiros vão acabar percebendo oportunidades de negócio.

Existe uma preocupação com possíveis efeitos de declarações do presidente Jair Bolsonaro na relação entre os dois países. Na campanha eleitoral do ano passado, Bolsonaro dizia que a China estava “comprando o Brasil”. Agora, a postura do governo parece ter mudado. Como os chineses encaram essa relação?

Na verdade, você não vê opinião de chinês, as coisas lá são bem colegiadas. Os chineses têm planos a longuíssimo prazo e eu acho que uma declaração ou outra não impacta o planejamento máximo do governo chinês. Não é isso que vai fazer qualquer alteração no caminho deles, porque eles são focados, é uma cultura e um processo de milhares de anos. Você vê que não têm réplicas (dos chineses) para esses assuntos. Eu acho que às vezes a gente não precisa se preocupar tanto, porque é um tempo também de maturação do governo brasileiro, de entender a situação. Está bastante evidente a complementaridade dos dois países. O que a gente tem, eles não têm. O que eles têm, a gente não tem. Se a gente der as mãos, os dois vão se dar bem. E a gente não pode deixar qualquer coisinha atrapalhar isso.

Além do que o Brasil já exporta para a China, que outros produtos poderiam ser negociados?

Fora as commodities que a gente já manda para lá, ainda dá para crescer. A gente manda soja, milho, carne suína está crescendo bastante, carne de boi também, tanto que a gente está pagando mais caro aqui. Tem também o petróleo e os minérios. Agora, existem produtos de higiene pessoal, alimentos já processados, que aos poucos a gente está conseguindo enviar para lá. E eu vejo que frutas e sucos são coisas ainda pouco exploradas, a gente já faz abastecimento dos mercados europeus e americanos com uma eficiência aceitável, mas a gente ainda não conseguiu fazer isso com a China. É questão do brasileiro saber ir lá vender para o chinês, é azeitar a logística, os contratos. Eu morei oito anos lá e não encontrei o mamão papaia do Brasil. O chinês vem aqui e pergunta “onde tem o papaia?”.

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