19 de maio de 2022 | 22h54
Treze anos após ser previsto na Política Nacional de Mudança do Clima, o mercado de carbono regulado foi instaurado no Brasil. O decreto que regulamenta esse mecanismo de venda e compra de ativos de países e setores que superam suas metas de redução de emissões de gases do efeito estufa foi publicado na noite desta quinta-feira, 19, em edição extraordinária do Diário Oficial da União. Cada crédito de carbono corresponde a uma tonelada de carbono que deixa de ir para a atmosfera.
O texto estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare), cuja finalidade é reunir os registros de emissões, remoções, reduções e compensações de gases de efeito estufa e de transações de créditos. A medida ainda altera outro decreto sobre a Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano.
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Na quarta-feira, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, havia anunciado que o governo preparava um decreto, durante a abertura do Congresso Mercado Global de Carbono – Descarbonização & Investimentos Verdes, evento conjunto do Banco do Brasil e da Petrobras, no Rio. Segundo ele, o decreto traria “elementos inovadores e modernos” para o estabelecimento desse mercado.
O anúncio do ministro frustrou quem esperava que a regulação do mercado de carbono no País viesse com a aprovação do Projeto de Lei 528/21, do deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que também trata do tema. Apesar de a possibilidade de um decreto do governo federal ser esperada desde o mês passado, havia o temor que a publicação de duas regulamentações parecidas pudesse causar insegurança jurídica, com futuras alterações do texto que desfigurasse o objetivo de um mercado regulado. De acordo com o próprio ministro, o projeto só estará maduro depois que passar pelo Congresso Nacional, o que deve levar de um a dois anos.
Os planos setoriais, de acordo com o decreto, deverão considerar a neutralidade climática, compromisso assumido pelo Brasil para ser atingido até 2050, e serão monitoradas por meio da apresentação de inventário de gases de efeito estufa periódicos dos agentes setoriais.
O texto também cria o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare), cuja finalidade é reunir os registros de emissões, remoções, reduções e compensações de gases de efeito estufa e de transações de créditos.
O Brasil registrou em 2020 a emissão bruta de 2,16 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (GtCO2e), ante 1,97 bilhão de toneladas em 2019, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima. Desde 2006, foi o maior volume de emissões do País. Sozinho, o setor de agropecuária foi responsável por quase 600 milhões de toneladas de CO2 equivalente.
Para a diretora-executiva do ICC-Brasil (Câmara de Comércio Internacional), Gabriella Dorlhiac, a publicação do decreto é um passo importante em um debate que parecia não caminhar. “O mercado regulado, no fundo, é uma forma de incentivo ‘mandatório’ para as empresas se adaptarem”, afirma. “Vamos nos debruçar agora sobre o texto e analisar os detalhes.”
Consultor Sênior de Energia do Instituto ClimaInfo, Shigueo Watanabe Jr., vê o risco de as metas estabelecidas pelo governo ou acordadas com os diferentes setores da economia responsáveis pelas maiores quantidades de emissões. “Quem vai dizer o que é aceitável nesses planos setoriais?”, diz. “Por que os mercados de outros países deverão aceitar que é o bastante o que é aceitável para o governo brasilieiro em cada um desses setores?”.
Para Felipe Bittencourt, presidente da Way Carbon, consultoria em projetos de baixo carbono recém-adquirida pelo Santander, é impossível dizer que o decreto vem na hora certa, porque o País já deveria ter criado os marcos regulatórios há anos para se inserir em um mercado mundial de bilhões de dólares. “Hoje há 65 regiões e países com mercados de carbono com precificação e regras pelo mundo”, afirma. “No Brasil isso está previsto desde 2009.”
Mesmo antes do anúncio do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, de que o governo preparava um decreto para regular o mercado de carbono, uma minuta do texto já circulava entre empresários e ambientalistas. Diferentemente das versões prévias do projeto, no entanto, a publicação no Diário Oficial da União exclui a definição dos setores que deverão ter metas de redução de emissões de gases do efeito estufa.
Também ao contrário do que era esperado, o decreto estabelece que caberá ao governo federal propor os Planos de Mitigação das Mudanças Climáticas aos setores responsáveis pelos maiores volumes de emissões e aprová-los em um comitê interministerial. A minuta a que o Estadão teve acesso, citava nove setores da economia e dava a eles a prerrogativa de apresentar suas metas ao governo.
Especialistas ouvidos pela reportagem dizem que esses setores devem ser definidos durante a regulamentação do decreto. “Todos sabem quais são os setores que mais emitem”, diz o consultor sênior de Energia do Instituto ClimaInfo, Shigueo Watanabe Jr.
Os cinco maiores responsáveis por emissões no País são: agropecuária, energia, mudança de uso da terra, processos industriais e resíduos.
A versão prévia do texto trazia os seguintes setores: geração e distribuição de energia elétrica, transporte público urbano e interestadual de cargas e passageiros, indústria de transformação e de bens de consumo duráveis, indústrias químicas fina e de base, papel e celulose; mineração; construção civil; serviços de saúde, e agropecuária. Cada um deles teria 120 dias, após a publicação do decreto, para apresentar seus planos de redução.
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