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Déficit de US$ 1 tri é culpa de quem?

Por David Leonhardt
Atualização:

Há duas verdades essenciais a respeito dos imensos déficits que o governo federal vai acumular nos próximos anos. A primeira: a agenda do presidente Barack Obama, por mais ambiciosa que seja, é responsável apenas por uma parcela ínfima desses déficits, apesar do que muitos dos republicanos estão dizendo. A segunda: Obama não tem um plano realista para eliminar o déficit, apesar do que os seus assessores dão a entender. O New York Times analisou relatórios do Comitê Orçamentário do Congresso datados de até uma década atrás, para compreender como o governo federal chegou à situação atual, com uma dívida muito superior àquela observada nos anos imediatamente posteriores à 2ª Guerra Mundial. Essa dívida vai limitar as escolhas do país durante anos e pode provocar sérios estragos econômicos se os credores estrangeiros não se dispuserem a financiá-la. Obama - respondendo aos recentes sinais de desconfiança entre esses credores - reuniu-se na terça-feira com 40 congressistas na Casa Branca e solicitou a renovação das regras que permitem ajustes orçamentários compensatórios menos burocráticos. Isso exigiria que o Congresso pagasse por quaisquer novos programas que decidisse aprovar. A história dos déficits atuais começa em janeiro de 2001, quando o então presidente Bill Clinton deixava o cargo. O Comitê Orçamentário do Congresso estimou que o governo fosse capaz de obter superávits anuais de mais de US$ 800 bilhões entre 2009 e 2012. Hoje, o governo espera fechar as contas do mesmo período com um déficit anual de US$ 1,2 trilhão. Podemos encarar essa variação de US$ 2 trilhões como sendo proveniente de quatro categorias amplas de variáveis: o ciclo econômico, as medidas de George W. Bush, as medidas do período de Bush que têm data para terminar, mas que Obama preferiu estender, e as novas medidas propostas por Obama. A primeira categoria - o ciclo econômico - corresponde a 37% dessa variação de US$ 2 trilhões. Trata-se de um reflexo do fato de tanto a recessão de 2001 quanto a atual terem reduzido a arrecadação de impostos, exigido maiores gastos com programas de auxílio social e transformado os pressupostos dos economistas em relação à arrecadação de impostos dos anos futuros. Cerca de 33% da variação emana das novas leis aprovadas por Bush. Essas leis, como os cortes de impostos aprovados por ele e o reembolso oferecido pelo sistema de saúde para a compra de medicamentos de distribuição controlada, não apenas mantêm o custo pago pelo governo como também fazem aumentar os juros sobre a dívida nacional. A principal contribuição de Obama para o déficit é a prorrogação de várias medidas de Bush, como a guerra no Iraque e os cortes de impostos para lares com renda inferior a US$ 250 mil anuais. Tais medidas - somadas ao resgate de Wall Street, aprovado por Bush e apoiado por Obama - correspondem a 20% da variação. Aproximadamente 7% são provenientes do pacote de estímulo aprovado por Obama em fevereiro. E apenas 3% correspondem à agenda de Obama para o serviço de atendimento médico, para a educação, as questões energéticas e outras áreas. Se a análise for estendida para o futuro, para muito além de 2012, a agenda de Obama corresponde a uma parcela discretamente maior dos déficits projetados. Como pode ser? Algumas das suas propostas, como um plano para estabelecer o preço das emissões de carbono, não representam custo algum para o governo. Outras seriam parcialmente compensadas por aumentos planejados na tributação dos mais ricos e por cortes nos gastos. Assessores do Congresso e da Casa Branca concordam que provavelmente nenhum programa de maior escala, como a ampliação do seguro saúde, será aprovado a menos que já esteja pago. Alan Auerbach, economista da Universidade Califórnia, em Berkeley, e autor de um estudo muito citado a respeito dos perigos dos déficits atuais, descreve a situação da seguinte maneira: "Bush se comportou com incrível irresponsabilidade durante oito anos. Por um lado, pode parecer injusto que as pessoas culpem Obama por não fazer nada a respeito. Por outro lado, ele não está resolvendo o problema". "E não consertar o problema, num certo sentido, contribui apenas para piora da situação", acrescentou. Quando questionados sobre o déficit, Obama e seus assessores em geral começam a falar sobre o serviço de atendimento médico. "Não há como colocar o país no rumo da boa saúde fiscal sem eliminar as ineficiências do sistema de atendimento médico", disse Peter Orzsag, diretor orçamentário da Casa Branca. Economistas de fora concordam. O orçamento do atendimento médico é de fato a chave da redução do déficit. Mas há dois problemas em se deixar que o debate morra por aqui. Primeiro, mesmo que uma reforma no sistema de saúde seja aprovada, pode ser que ela não inclua as duras medidas necessárias para controlar os gastos e reduzi-los. No limite, a única maneira de fazê-lo é tirando dinheiro dos médicos, fabricantes de remédios e seguradoras, e não está claro se Obama e o congresso tem a coragem necessária para enfrentar esta briga. Até o momento, eles se concentraram em ideias como o atendimento preventivo, que fariam pouco no corte de gastos. Segundo, mesmo uma reforma séria no sistema de saúde não será suficiente. Os assessores de Obama reconhecem este fato. Eles dizem que alterações no sistema provavelmente teriam um efeito maior sobre os gastos com a saúde em questão de 5 a 10 anos. A dívida nacional, entretanto, crescerá até se tornar perigosamente grande muito antes disso. Orszag diz que o presidente está comprometido a fixar em questão de 5 a 10 anos um déficit equivalente a não mais do que 3% do PIB. O Comitê Orçamentário do Congresso projeta um déficit de pelo menos 4% para a maior parte da próxima década. Até essa estimativa pode se mostrar otimista, já que em geral o governo acaba gastando mais do que o previsto. Assim, Obama não está a caminho de cumprir sua meta. Mas os republicanos do Congresso também estão longe deste resultado. O senador Judd Gregg apresentou um gráfico no senado mostrando que Obama acabaria aumentando o déficit, mas se esqueceu de mencionar que boa parte do aumento era proveniente da manutenção de algumas medidas de Bush. Na verdade, diferentemente de Obama, os republicanos são a favor da manutenção de todas as reduções de impostos propostas por Bush, o que só faria aumentar o déficit. Enquanto isso, líderes republicanos na Câmara anunciaram na semana passada um plano para reduzir os gastos na razão de US$ 75 bilhões anuais. Mas as suas sugestões específicas correspondiam à economia de meros US$ 5 bilhões. Os US$ 70 bilhões remanescentes seguiram sem definição. "Os republicanos não falam sério sobre a redução dos gastos", concluiu o conservador Instituto Cato. O que vai acontecer, então? "As coisas vão piorar gradualmente", prevê Auerbach, "a não ser que piorem rapidamente". Ou uma eventual solução acabará sendo adiada, ou os credores estrangeiros, assustados com a dívida cada vez maior, vão aumentar as taxas de juros e criar uma crise. Entretanto, a solução não é nenhum mistério. Ela envolverá alguma combinação de aumentos nos impostos e cortes nos gastos. E não se limitará a regras capazes de controlar as alterações orçamentárias, nem ao aumento dos impostos de alguém, nem ao combate ao desperdício, à fraude e aos abusos. Os impostos vão provavelmente aumentar, e alguns dos programas do governo que o contribuinte apoia vão se tornar menos generosos. Esse é o legado dos nossos déficits trilionários. A melhor maneira de apagá-los será um dos principais temas políticos da próxima década. *David Leonhardt é jornalista

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