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Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

Democracia e justiça social

Se por um lado os governos petistas passaram mais de uma década distribuindo benesses particulares – de forma mais ou menos republicanas –, o presidente Bolsonaro, orgulhoso representante da direita, hoje vacila em avançar nas correções

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Por Ana Carla Abrão
Atualização:

Há dois temas que deveriam ser capazes de unir os extremos políticos de um país como o Brasil: o combate às desigualdades sociais e a defesa da democracia. Afinal, são esses os alicerces para que justiça social e garantia das liberdades e direitos individuais estejam sempre protegidos. Mas nem esses, que são conceitos universais, têm gerado a convergência necessária para o nosso avanço.

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Justiça social não combina com defesa de grupos específicos de interesse e não conversa com a proteção de privilégios – nem à direita e nem à esquerda. E se houve algo a que o nosso país se acostumou ao longo dos últimos anos foi com uma perversa combinação de clientelismo e patrimonialismo, extraindo o pior do que um Estado pode ser para os seus cidadãos. Essa combinação gerou um Estado ineficiente, pouco efetivo e que reforça as diferenças econômicas e sociais e coloca a população refém do seu próprio governo. Nesse contexto, as forças políticas tendem a ceder às pressões de alguns grupos e a defender políticas públicas e práticas que pouco fazem pelo interesse geral, mas muito agradam a alguns poucos privilegiados. Reformas estruturais são relegadas e condenam o País a um crescimento medíocre. Mas garantem-se votos para as próximas eleições, reforçando o mesmo ciclo.

Os exemplos por aqui são fartos: somos um país que tributa de forma regressiva, que ao longo dos anos protegeu as grandes empresas em detrimento das menores e garantiu proteção às camadas de renda mais elevada. Resistimos a privatizar empresas ineficientes para proteger o emprego – e a influência pouco republicana – de alguns às custas de todos. Resistimos até há pouco aos avanços de um marco regulatório que fomente o investimento privado em saneamento deixando metade da população sem acesso a coleta de esgoto, mas mantendo a mão forte (e grande) do Estado no controle de empresas ineficientes. Mantemos contratos de mobilidade urbana por décadas, sacrificando a população que chacoalha todos os dias cruzando os grandes centros urbanos e abrindo mão de avanços tecnológicos e maior comodidade para não desagradar grupos empresariais e políticos. Fazemos política habitacional de costas para a população sem teto, que quer morar no centro e não nas franjas, onde não há infraestrutura, nem lazer e tampouco transporte fácil e decente em nome de políticas públicas pouco eficazes. Isso tudo precisa mudar e as reformas são o único caminho.

A agenda é ampla, as necessidades são básicas e é clara a urgência. Mas apesar de tantos exemplos da ineficiência e de captura do Estado brasileiro, parecemos incapazes de perseguir uma agenda objetiva em que o todo se sobrepõe ao particular e o interesse público supera o jogo político de curto prazo. A reforma da Previdência parecia ser um divisor de águas, subvertendo essa lógica com os ouvidos e olhos voltados para a sociedade e abrindo espaço para que outras reformas avançassem num Congresso hoje ávido por novos projetos e exemplarmente reformista. 

Cabe ao Executivo, portanto, aproveitar o momento e propor a pauta. Mas o presidente demonstra, um tanto cedo demais, ter se cansado de reformas. Se por um lado os governos petistas passaram mais de uma década distribuindo benesses particulares – de forma mais ou menos republicanas –, o presidente Bolsonaro, orgulhoso representante da direita, hoje vacila em avançar nas correções. Ao não pautar temas da relevância da reforma administrativa ou de um programa de privatizações mais agressivo que, sabemos, vão ao encontro de um Estado melhor e mais efetivo, ele atrasa a urgente construção de um País mais justo. Fugir do aparelhamento da esquerda e cair num imobilismo de direita nos levará, paradoxalmente, aos mesmos resultados e nos manterá igualmente atrasados. 

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No campo da democracia a questão é igualmente complexa. Aqui também, não há como convergir nos resultados se não conseguirmos convergir nos conceitos. Democracia é o poder do povo de exercer sua soberania. Não combina com opressão política, nem com perseguições e nem tampouco com minorias oprimidas sob regimes autoritários e sectários, em que a população se vê alijada de direitos e de liberdade, seja à esquerda ou à direita. 

A preservação da nossa jovem democracia está na base do nosso desenvolvimento como nação e na proteção dos direitos individuais. Inegociável, ela deveria também servir a nos unir e não a nos separar. Defender o Brasil não significa vestir vermelho, verde, amarelo ou preto. Defender o Brasil significa garantir que as conquistas democráticas estão acima das diferenças e só a partir delas iremos avançar na direção de maior justiça social.

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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