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Demolição institucional

Está em curso uma alarmante escalada no processo de demolição institucional que, já há algum tempo, vem colocando abaixo o arcabouço que sustentou a condução da política fiscal nos últimos 15 anos. Em entrevista publicada no Valor em 29/4, véspera da divulgação do desastroso desempenho das contas públicas em março, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, anunciou com todas as letras que o governo deixou de trabalhar com uma meta rígida para o superávit primário, para poder ter "liberdade" de conduzir uma política fiscal mais contracionista ou expansionista, "dependendo do momento". Anunciou ainda que o novo arranjo de condução da política fiscal, já em vigor em 2013, será mantido, não só em 2014, como no próximo mandato, caso a presidente seja reeleita. O anúncio merece toda a atenção. Afinal, noticia-se (Folha de S.Paulo, 4/5) que Augustin vem tendo crescente ascendência sobre a presidente e papel ativo nas articulações para a reeleição, devendo integrar a futura coordenação da campanha eleitoral. Encarregado de conceber a "plataforma econômica para o segundo mandato", o secretário vem sendo visto como o provável sucessor de Guido Mantega. Na verdade, o novo arranjo é ainda pior do que pode parecer à primeira vista. A ideia, esclareceu o secretário, não é eliminar a meta de 3,1% do PIB para o superávit primário do setor público, e, sim, dar às autoridades fazendárias liberdade para descumpri-la na extensão que julgarem razoável, ao sabor dos acontecimentos. A meta permaneceria como uma miragem a que o Banco Central (BC), por exemplo, poderia continuar a fazer menção, ao explicitar as premissas sobre política fiscal que estariam pautando a condução da política monetária. As declarações do secretário deixaram patente a desarticulação que hoje se observa entre a política monetária e a política fiscal. Num momento em que o BC está supostamente empenhado em elevar a taxa de juros para conter a demanda agregada, o secretário se diz convencido de que a economia precisa ser estimulada pelo lado fiscal. Tendo relaxado de várias formas as restrições fiscais dos governos subnacionais, o Tesouro anunciou há alguns dias que não pretendia compensar o não cumprimento de metas de superávit fiscal pelos Estados e municípios. Mas, agora, o secretário informou que, quando uma política expansionista for necessária, o Tesouro estará pronto a facilitar a expansão fiscal de Estados e municípios, já que não faria sentido que o gasto público aumentasse num nível da Federação e caísse em outro. Um arranjo de política fiscal contracíclica, seriamente concebido, que desse a devida importância à sustentabilidade fiscal, representaria grande avanço na condução da política macroeconômica do País. Mas não é bem o que o governo tem em mente. O que o secretário quer vender como política fiscal contracíclica é só a falta explícita de compromisso com metas e regras de qualquer espécie. E a possibilidade de racionalizar qualquer desempenho fiscal, a posteriori, com uma boa história de última hora sobre política de demanda agregada. Em países onde a política fiscal contracíclica tem sido conduzida com seriedade, as autoridades fazendárias são pautadas por metas de médio prazo, regras fiscais claras e exigências de transparência que asseguram previsibilidade e possibilidade de aferição objetiva de desempenho. A condução da política contracíclica pode ser monitorada pelos agentes econômicos e devidamente levada em conta pelo BC. Algo bem diferente da simples declaração de descompromisso com restrições à política fiscal que acaba de ser feita pelo Tesouro. No arranjo totalmente discricionário agora instaurado, o secretário do Tesouro conduzirá a política fiscal como bem entender. Uma perspectiva ainda mais preocupante, quando se tem em conta a visão primitiva e insensata das questões fiscais que têm pautado a atuação de Arno Augustin na Secretaria do Tesouro Nacional.

Por Rogério L. Furquim Werneck
Atualização:

* Rogério L. Furquim Werneck é economista, doutor pela Universidade de Harvard e professor titular do departamento de Economia da PUC-Rio.

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