BRASÍLIA - O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, moderou o tom e passou a ver um "pano de fundo melhor do fiscal". "Eu tento chamar atenção do mercado para olhar para além do ruído", disse nesta terça-feira, 24, em evento da XP.
Hoje, Campos Neto repetiu que os investidores do mercado têm relacionado as propostas do governo - como o parcelamento dos precatórios e a reforma do Imposto de Renda - a uma vontade de se criar um programa social mais robusto. Ele argumentou, porém, que os dados fiscais estão melhores do que se projetava para o momento, como a relação dívida e PIB e o rombo previsto para as contas públicas em 2022.
"Os números de fato estão melhores do que o mercado toma como verdade. De fato há uma melhora fiscal associada a uma inflação maior, mas há também componentes que não estão associados a isso", disse.
A fala mais moderada vem depois de a agência Associated Press divulgar, na semana passada, que o presidente Jair Bolsonaro teria falado abertamente sobre seu arrependimento de apoiar a autonomia do BC durante um voo de volta após participar de um compromisso público em Mato Grosso. A AP também informou que um ministro, sob condição de anonimato, revelou que Bolsonaro tem expressado desconforto com a autonomia e gostaria de “interferir” na política monetária (ou seja, nas ações para o controle da inflação, como calibrar a taxa básica de juros).
Analistas do mercado já preveem a inflação fechando em 7,11% este ano, bem acima do teto da meta que o BC deveria perseguir, de 5,25%. O centro da meta para o ano é de 3,75%, sendo que a margem de tolerância é de 1,5 ponto (de 2,25% a 5,25%).
Campos Neto disse que o BC tem instrumentos para fazer a inflação convergir para a meta em "horizonte relevante", embora admita que houve deslocamento entre as expectativas de alta de preços da autoridade monetária e do mercado.
Para 2022, o mercado financeiro subiu de 3,90% para 3,93% a estimativa de inflação nesta semana. Foi a quarta alta seguida no indicador. No ano que vem, a meta central de inflação é de 3,50% e será oficialmente cumprida se o índice oscilar de 2% a 5%.
Expectativas
Ao defender um "pano de fundo melhor do fiscal", o presidente do BC foi na mesma linha de argumentos do ministro da Economia, Paulo Guedes, que nesta semana afirmou que "nenhum fundamento indica que o País está fora do conrole", apesar do "barulho" da antecipação das eleições.
O ministro também citou a redução do déficit primário previsto, de 10,5% do PIB em 2020 para 1,70% em 2021 e a 0,30% para 2022.
No ano passado, o governo injetou um pacote de estímulo de R$ 524 bilhões em despesas adicionais para o combate à covid-19, o que impactou no tamanho do resultado negativo. Para este ano, estão previstos R$ 127 bilhões em gastos extras, após o governo ter “apostado” no fim da pandemia e, consequentemente, na possibilidade de retirar o suporte às famílias, aos trabalhadores e ao sistema de saúde. Políticas como o auxílio emergencial e o pacote de flexibilização de contratos de emprego só foram retomadas no fim do primeiro trimestre deste ano.
Guedes citou que a projeção para o crescimento do PIB do Brasil em 2021 está em 5,30%, mas não lembrou que em 2020, houve queda de 4,1% na economia. Ele afirmou que a expectativa para o crescimento do PIB cresce há 16 semanas, mas a maioria das projeções colhidas pelo Banco Central para o boletim Focus cai marginalmente há duas semanas e foi reduzida de 5,28% para 5,27% no relatório divulgado nesta semana.
Para o ano que vem, os economistas continuam a reduzir as projeções. Agora, a maioria espera expansão de 2% do PIB em 2022, ano de eleições. Como mostrou o Estadão, uma "tempestade perfeita" de inflação e juros altos, desemprego, dólar caro, risco de apagão, conflitos institucionais, atropelo nas votações de projetos do Congresso e novos riscos fiscais obrigou economistas e investidores a reverem suas estimativas para o crescimento da economia no próximo ano para o mesmo patamar baixo comum nos anos pré-pandemia.