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‘Desafio é manter o progresso e a natureza', diz presidente da EDP

Para Miguel Setas, ações de empresas têm importância na busca por uma ‘economia regenerativa’

Por Renée Pereira
Atualização:

Novo porta voz do Pacto Global da ONU, o presidente da EDP Energias do Brasil, Miguel Setas, tem metas ambiciosas para reduzir o nível de emissões da empresa até 2030. O executivo, que vai atuar na agenda do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 (ODS 11) – Cidades e Comunidades Sustentáveis, diz que a companhia deve reduzir em 90% o volume de emissões comparado a 2011. Para isso, aposta numa transição energética que inclui se desfazer, por exemplo, de uma usina a carvão, aumentar a produção de energia eólica e solar e desenvolver o mercado de veículos elétricos. Em 2019, o grupo investiu R$ 2,8 bilhões no País.

Na avaliação do executivo, que está à frente da EDP no Brasil desde 2014, as empresas têm papel fundamental na busca por uma economia regenerativa e não apenas de uma economia circular. A seguir trechos da entrevista:

Miguel Setas, presidente da EDP Energias do Brasil Foto: Leandro Fonseca/ EDP

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A pandemia ajudou a elevar a consciência socioambiental da população?

Acredito que a pandemia fará de 2020 um ano determinante para a história da humanidade. É um ano de virada, de entrada em uma nova década, que tem claramente ingredientes diferentes daqueles da década anterior. Essa consciência ambiental maior e a chamada emergência climática têm despertado na sociedade a necessidade de agir. Há alguns meses, essa preocupação vinha de uma geração mais nova, personificada pela jovem ativista Greta Thunberg. Hoje há uma consciência mais clara da urgência de uma ação corretiva para caminharmos na direção de uma economia regenerativa, não apenas de uma economia circular. Há uma noção maior de que só o reaproveitamento dos outputs – resultado do processo produtivo – das nossas atividades econômicas não resolve. É preciso ir além.

O que isso significa?

Precisamos ter uma noção de economia regenerativa, que cuida do ambiente e o regenera. A pandemia colocou em evidência que a sociedade não está cuidando da forma como devia da integridade, da segurança, do bem estar da população. É uma chamada de consciência mais premente.

E qual o papel das empresas nesse movimento?

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Acredito que cada vez mais temos visto a iniciativa privada sensível a esses temas e com pautas afirmativas. Mas é uma realidade assumida? Acho que estamos num processo de transição. As empresas estão descobrindo as características de um novo tempo e atuando no sentido de acompanhar essa nova realidade de forma segura. As empresas têm papel fundamental porque são plataformas de intervenção muito relevantes na sociedade. Não acredito numa sociedade em que todas as responsabilidades estão depositadas no Estado e na iniciativa pública. E, portanto, as empresas têm uma responsabilidade ambiental e social, que precisa ser cada vez mais evidente, concreta, com menos discurso e mais resultados.

A EDP adotou um processo de transição energética. Como tem sido essa mudança?

A transição energética é um dos elementos fundamentais da equação de permitir e criar condições para a chamada descarbonização da economia. Isso é essencial para cumprirmos o desígnio de limitarmos o aquecimento global da terra. Se não fizermos hoje nada no sentido de reduzirmos as emissões, segundo os cientistas, vamos chegar ao final desse século com um aumento de temperatura entre 3 ou 4 graus, em média. Um planeta com 4 graus a mais é completamente diferente daquele que conhecemos hoje. E os indícios começam a aparecer na maior incidência de catástrofes naturais.

O que a empresa tem feito nesse sentido?

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Temos o compromisso de chegar em 2030 com 90% de redução de emissões comparado a 2011. Atualmente temos uma usina a carvão – Pecém, de 720 MW. Mas nosso compromisso pressupõe a desativação ou a venda dessa unidade. Também estamos investindo bastante na expansão das energias renováveis. Aqui no Brasil essa expansão tem ocorrido com energia eólica e por meio de um plano ambicioso na geração distribuída com energia solar. Essa frente é muito importante.

A empresa também está focada na mobilidade elétrica...

O segmento de transportes tem uma importância grande para as emissões de CO2. E nessa área temos algumas iniciativas, como o projeto da rede ultrarrápida de recarga em São Paulo, com investimentos de R$ 30 milhões. Já inauguramos um posto em Caraguatatuba. Teremos 10 instalados até o fim do ano e 30 em 3 anos. Outro investimento é o ônibus elétrico, um projeto piloto com a transportadora Águia Branca, no Espírito Santo. É para transporte de passageiros e estamos investindo R$ 6 milhões. Outro projeto está sendo tocado com a Unidas (locadora de veículos). A parceria prevê 100 carros elétricos ou híbridos para aluguel. Estamos num processo de negociação com grandes empresas para criarmos frotas elétricas.

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A empresa também anunciou uma parceria com a Embraer...

Sim, é uma parceria para pesquisa do primeiro avião elétrico. Hoje São Paulo tem a segunda maior frota de mundo de helicóptero. Os táxis aéreos têm potencial grande. Temos um leque abrangente de iniciativas. Isso tudo para termos soluções que vão ganhar escala para contribuirmos na redução das emissões no setor de transportes.

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Nesse novo mundo, há espaço para hidrelétricas?

O Brasil felizmente é o País de todas as energias. Tem uma predominância com a hidreletricidade. Mais de 60% da capacidade instalada do País é hidrelétrica. Mas o Brasil, pela sua extensão territorial, tem uma complementaridade de todas as fontes: hidreletricidade, solar, eólica, biomassa, nuclear, gás natural e carvão. Tem tudo. E essa diversificação energética confere ao Brasil uma autonomia estratégica para suprir suas necessidades com fontes nacionais. É única no mundo.

Mas as empresas vão pensar duas vezes antes de disputar um leilão de hidrelétrica sobretudo em áreas sensíveis?

Quando olhamos para o PDE (Plano Decenal de Energia), vemos claramente uma predominância de novas fontes, do eólico, do solar e do gás natural. O advento de novas tecnologias veio abrir alternativas de investimentos com impacto ambiental menor do que uma grande hidrelétrica numa região florestal. O benefício hoje de estar nessa revolução tecnológica é que estão sendo criadas novas alternativas, novas opções de expansão energética que vão trazer maior benefício nessa relação com o meio ambiente. Temos hoje oportunidades muito mais alinhadas com as preocupação ambientais.

Belo Monte sairia do papel nos dias de hoje?

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É a pergunta do milhão. Cada fonte, cada projeto tem o seu tempo certo e o momento em que se justifica. Obviamente que o mundo caminha hoje para termos soluções renováveis de larga escala, com custo baixo e menor custo ambiental. Não estamos ainda no momento de abdicar da complementaridade das fontes.

A pandemia também trouxe mudanças organizacionais dentro das empresas. Como o sr. vê essas mudanças?

Criamos uma frente para redesenhar a forma de trabalho na empresa. O mundo das grandes corporações tem grandes mutações a caminho. Vejo alguns contrastes e paradoxos. As empresas têm de ser mais digitalizadas, com a tecnologia cada vez mais presente, e mais humanizadas. Ou seja, as tecnologias não podem ser contrárias aos interesses do ser humano, de ter mais qualidade de vida, ser mais respeitado, ter mais diversidade e mais inclusão. A tecnologia vai substituir algumas pessoas no trabalho, vamos ter a robotização, vamos ter inteligência artificial. Portanto, como conjugar essa preocupação cada vez mais humanizada com a tendência inexorável da tecnologia. É um das grandes dilemas das empresas. Outro paradoxo é que as companhias têm de saber gerir a crise imediata e simultaneamente olhar para o longo prazo. Os 5 minutos a frente são tão importantes como os cinco anos no horizonte. Acredito que o mundo está nessa transição cheia de fraturas, porque estamos caminhando para um novo paradigma. E as empresas terão de gerir as contradições, de ser mais digital e mais humana, mais flexível e mais resiliente, mais focada no curto prazo e também no longo prazo.

Um cenário complicado.

É uma nova era que está começando. Estamos num momento que não podemos esgotar os recursos limitados que a mãe natureza colocou a nossa disposição. Essa equação é que está na mesa. Como manter as condições de progresso preservando os recursos naturais que não temos o direito de esgotar para as novas gerações.

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