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Desafios da reforma tributária

Por Clóvis Panzarini
Atualização:

A prorrogação da CPMF e da DRU, cuja vigência expira no final do ano, tem efeito colateral positivo: coloca na agenda o debate sobre a reforma do sistema tributário. Complexo, indutor da guerra fiscal, injusto, irracional e ineficiente são alguns adjetivos freqüentemente usados para qualificá-lo. A proposta de reforma tributária que se anuncia prevê a substituição de todos os tributos indiretos por dois IVAs - um federal e outro estadual - incidentes sobre a mesma base e com a adoção de princípios mais modernos de tributação. Dentre as mudanças propostas destacam-se a incorporação de todos os serviços, inclusive aqueles hoje submetidos ao ISS, que desapareceria, e a adoção do princípio de destino para o IVA estadual, o atual ICMS, que responde por mais de 20% da carga total e é um dos principais responsáveis pela balbúrdia tributária. Sendo do tipo valor adicionado, ele tem natureza nacional, mas foi outorgado à competência estadual, o que explica seus principais problemas, pois as decisões tributárias de cada Estado contaminam a economia dos demais. Como essa outorga é obstáculo politicamente irremovível, a única forma de mitigar seus defeitos é a adoção do princípio de destino - desoneração das operações interestaduais - para que os efeitos das decisões tributárias de cada Estado cinjam-se a seu próprio território. A solução conceitual é simples, mas a implementação depende da superação de problemas federativos e operacionais. Ainda que no longo prazo todos sejam beneficiados por um modelo mais limpo, há de se fazer a travessia do curto prazo. A compensação aos Estados exportadores líquidos, perdedores de receita com o princípio de destino, é uma das dificuldades. Em São Paulo, por exemplo, 12% da arrecadação do ICMS decorre do superávit de sua balança comercial interestadual, quinhão esse que, com a adoção do princípio de destino, seria transferido para o Tesouro dos Estados destinatários das mercadorias. Quase um Rodoanel por ano. A segunda dificuldade é o espólio da guerra fiscal. Os contratos concessivos de benefícios fiscais de ICMS (créditos-prêmio, prazos especiais, etc.) são celebrados por prazo certo entre os Estados guerreiros e seus investidores. Se as vendas interestaduais - quase totalidade da fonte do benefício - não forem mais tributadas, terão de honrar os contratos com recursos orçamentários próprios. Desnuda-se, aqui, uma face cruel da guerra fiscal: quem suporta o ônus da renúncia fiscal é a vítima, ou seja, o Estado que consome as mercadorias e não o Estado guerreiro, concedente do benefício. Este não tem qualquer perda, pois devolve parte de receita nova ao investidor atraído. Tem, sim, ganho marginal e não perda. De outro lado, o Estado consumidor recebe essas mercadorias com crédito de ICMS contra seu próprio Tesouro. A moeda que o Estado guerreiro devolve ao investidor é a mesma que sai do Tesouro do Estado consumidor. Com o princípio de destino essa fonte seca. A terceira dificuldade para implantação do princípio de destino é de ordem operacional. Há duas formas possíveis, sendo a mais óbvia a aplicação de alíquota zero nas vendas interestaduais, que deixa toda a carga tributária para ser cobrada pelo Estado destinatário. A outra é a cobrança "cheia" do imposto no Estado de origem e repasse da receita ao Tesouro do Estado consumidor. A primeira forma, além de demandar custoso aparato de controle (necessidade de instalação de uma "aduana" em cada ponto de fronteira), agrava o problema do crédito acumulado na origem, hoje fonte de perturbação nada desprezível, pois cada venda interestadual teria efeito idêntico ao de uma exportação para o exterior. Na outra alternativa - cobrança "cheia" na origem e repasse da receita ao Estado de destino - também se abrem duas possibilidades operacionais: ou o contribuinte-remetente recolhe, operação por operação, o imposto incidente sobre a saída interestadual diretamente ao Tesouro do Estado da localização de seu cliente ou recolhe ao Tesouro de seu Estado, que o repassa ao Estado destinatário. Ambas apresentam problemas de difícil solução. No primeiro caso, cada vendedor interestadual passaria a ser contribuinte - e por ele fiscalizado - das outras 26 unidades federadas. A complexidade inerente a esse regime seria insuportável. A outra alternativa - repasse horizontal das receitas interestaduais - pressupõe confiança mútua incondicional entre as 27 unidades federadas, o que inviabiliza o modelo. A nota fiscal eletrônica, quando implementada, possibilita a cobrança do imposto "cheio" na origem com repasse ao destino, sem trânsito pelo Tesouro do Estado de origem, pois permitiria, com precisão e agilidade, o cálculo da matriz origem-destino das operações interestaduais e, assim, dos coeficientes de exportação/importação líquida. Os coeficientes pretéritos poderiam parametrizar a partilha da arrecadação futura e seriam informados mensalmente à rede bancária, a qual, em cada guia de recolhimento recebida, faria o split da receita em três fatias: uma para a câmara de compensação das receitas interestaduais (que a repassaria aos Estados importadores líquidos) e as outras duas, como é feito hoje, ao Estado e aos seus municípios. Qualquer outra alternativa de implantação do princípio de destino piora o inferno tributário brasileiro.

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