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Desastrosa política fiscal

Por Fernando Zilveti
Atualização:

A pesquisa divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstra o que foi feito pelos governos FHC e Lula em matéria de arrecadação: um verdadeiro desastre. O perverso efeito regressivo da tributação brasileira atinge as camadas mais pobres da população, que chegam a pagar até 44,5% mais impostos que os ricos. Da fatia de 10% mais pobre da população brasileira, 32% do que recebem é consumido com impostos. Os rendimentos deles sofrem predominantemente com os impostos indiretos (aproximadamente 90% da carga total). Essa carga fiscal vem embutida no preço dos produtos e serviços, que afeta impiedosamente a população mais pobre. Esse é o fenômeno denominado de repercussão por Seligman, há mais de cem anos (The Shifting and Incidence of Taxation). O celebrado financista americano afirmava, naquela época, que a igualdade na tributação consiste menos na igualdade daquilo que é consumido, do que na riqueza das pessoas que consomem o mesmo. Por essa razão é que, aquele que trabalha muito e poupa os frutos desse seu trabalho, e consome pouco, deveria ser mais tributado do que aquele que vive modestamente, ganha pouco e gasta tudo o que ganha. A proposta de tributação da renda poupada foi levada adiante nos países desenvolvidos, e aqui, não. Em época de reforma fiscal não são ouvidas vozes sensíveis a esse fato, do governo ou da claudicante oposição. Ao contrário, os reformistas propõem a criação de mais um imposto indireto. Pelo projeto em votação no Congresso Nacional, o consumidor brasileiro pode esperar por um IVA federal, um "novo" ICMS estadual, além da manutenção do ISS. Parecem insensíveis à constatação do Ipea de que, somente no ICMS, os trabalhadores mais pobres pagam, relativamente, três vezes mais do que os mais ricos. Evidentemente, os ricos desembolsam somente 5,7% do que ganham com ICMS, enquanto os pobres, 16%, justamente porque as pessoas consomem proporcionalmente o mesmo. A injustiça tributária é gritante. De nada adiantam programas sociais de redistribuição de riqueza, se aquilo que se distribui aos mais pobres não representa nada além do que a restituição parcial daquilo que lhes é espoliado pela tributação regressiva. Explique-se: um trabalhador que ganha R$ 500 tem 30% dessa renda comprometida com tributos (R$ 150); o que um programa social como Bolsa-Escola ou o Família lhe proporciona não é senão a restituição de 30% do que lhe foi confiscado, ou seja, aproximadamente R$ 50. Isso sem contar que esse trabalhador nem sequer chegou a manifestar capacidade contributiva. Além disso, a União não faz mais do que aumentar os gastos públicos correntes, escorada pela arrecadação superavitária. Atualmente, os sucessivos superávits fiscais, como R$ 59,7 bilhões do último mês de abril, 11% a mais do que no mesmo mês de 2007, são pretextos para aumentos de vencimentos do funcionalismo público e criação de novos cargos, sem previsão orçamentária e por meio de medidas provisórias. Não bastasse isso, propõe-se a criação de fundo de investimento soberano, sem justificativa econômico-fiscal racional, um devaneio que contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal. A política industrial do governo atual prevê a desoneração tributária e a concessão de créditos especiais. Isso em nada contribui para mudar o quadro de injustiça fiscal. Ademais, agrava a concentração de riqueza, uma vez que a desoneração não é condicionada ao emprego, mas à produção, geralmente automatizada. Pudera que a pesquisa do Ipea revele que 10% dos mais ricos concentrem 75,4% da riqueza do País. Curiosa, porém, a constatação do Ipea sobre o problema do sistema tributário. A pesquisa aponta maior peso da tributação indireta do que da direta. A questão é que não há mais impostos indiretos que os diretos. Tampouco os impostos indiretos arrecadam mais que os diretos. O problema não apontado pelo Ipea é o efeito regressivo de parte dos tributos diretos, propriamente, a repercussão criticada por Seligman. Tributos diretos como o PIS, a Cofins e a CSLL são também repassados ao preço dos produtos e serviços. Outro tributo nocivo que ainda assombra o contribuinte, embora extinto, é a CPMF. Essa contribuição é direta, porém seus efeitos são regressivos, uma vez que sua repercussão é sentida no consumo de bens e serviços. Sua recriação, portanto, somente agravaria a injustiça fiscal brasileira. *Fernando Zilveti é professor da Escola de Administração de São Paulo (Eaesp)

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