Publicidade

"Desconforto" do mercado não diminui com pacote

Por Agencia Estado
Atualização:

Durou pouco a reação extremamente positiva do mercado financeiro ao anúncio do governo e Banco Central sobre as medidas para evitar a crescente volatilidade nos preços dos ativos: as taxas de DI futuro alternaram altas de baixas, o C-Bond devolveu parte do elevado ganho registrado no início do anúncio e o risco-país do Brasil, na esteira, reduziu a força de queda em relação a esta quarta-feira. O motivo dessa reação não tão positiva quanto se esperava, dizem os analistas, reside basicamente na crença de que o remédio anunciado não é forte o suficiente para curar a doença. Resolve em parte o overshooting no mercado de câmbio (via aumento do poder de intervenção) e nos preços dos títulos da dívida externa, ambos supostamente desequilibrados em relação aos fundamentos econômicos, mas faltou, na visão dos analistas, alguma medida para resolver o desconforto de quem carrega títulos da dívida pública interna em carteira. "O mercado esperava algum instrumento para facilitar a rolagem dessa dívida, como o aumento do compulsório para os depósitos a prazo, mas não houve nada nesse sentido", avalia o economista-chefe do JP Morgan, Luís Fernando Lopes. Para ele, o mercado ainda está desconfortável com o risco político e com as perdas com as LFTs e cupom cambial. "Parece que a visão do governo é de que a parte interna está tranqüila, e isto não coincide com a visão que o mercado está tendo", completa. O diretor de Tesouraria do Banco Fator, Sérgio Machado, reforça que o problema não é de rolagem, mas sim de carregamento da dívida pública. "Quem carrega dívida está desconfortável, e as medidas não trazem nenhuma liquidez para melhorar esse desconforto", reforça o diretor. Ele defende ainda que, além do compulsório em título, de forma a não afetar os spreads bancários, o BC poderia ter anunciado a possibilidade de compra líquida de papéis no mercado. "Eles atiraram no efeito, não na causa", acrescenta. Parte dos analistas também afirma que o BC anunciou o tamanho de seu poder de intervenção no câmbio, mas não deu qualquer sinalização sobre como fará isso. "As medidas são positivas, mas não são miraculosas", comenta Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria. Diz ele que as medidas anunciadas nesta quinta-feira pelo governo e BC podem ter algum efeito indireto sobre a parcela atrelada ao câmbio da dívida pública, estreitamente ligada ao comportamento do risco-país, mas destaca que o pano de fundo das incertezas eleitorais não será eliminado com ações de administração do nervosismo no mercado. "O governo tem condições de remover as causas fundamentais dessa volatilidade? A resposta é não", afirma o economista. "Só o que o governo tem a oferecer são fundamentos razoavelmente sólidos, que o mercado teima em ignorar, mais essas medidas para evitar a potencialização do estresse", acrescenta. Para Loyola, o que vai mudar realmente o sentimento do mercado é a percepção de risco de descontinuidade da política econômica no próximo governo ser menor do que a que ele trabalha atualmente. Como? "De duas maneiras: com o mercado se convencendo de que a vitória da oposição e do PT em especial não significará grandes mudanças na questão fiscal, na inflação e no respeito aos contratos, ou com a percepção de que as chances de o Lula ganhar as eleições sejam menores", responde o ex-presidente do BC. Sobre o uso do aumento do compulsório ou de uma mudança no enquadramento da posição comprada dos bancos, o ex-BC lembra que seriam medidas válidas se o BC detectasse - e tem instrumentos para isso - que a fonte dessa volatilidade toda vem das tesourarias, o que, segundo ele, aparentemente não está ocorrendo.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.