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Desde ingresso na recuperação fiscal, Rio já concedeu nove novos benefícios fiscais

Medida vai na direção contrária das regras do programa de socorro do governo, que não só proíbe como também exige que Estados cortem esses incentivos; Rio já deixou de pagar R$ 58,5 bi em dívidas com a União

Por Idiana Tomazelli
Atualização:

BRASÍLIA - Desde que ingressou no programa de socorro da União para Estados endividados, em setembro de 2017, o Rio de Janeiro implementou nove benefícios fiscais novos, sete deles apenas na gestão do governador Wilson Witzel (PSC), agora afastado suspeita de participação em esquema de corrupção. A prática vai na direção contrária do que exige a lei do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o programa de socorro do governo federal, que não só proíbe os Estados protegidos pelo programa de conceder esses incentivos, mas também cobra um corte nos benefícios já existentes.

Há ainda um décimo benefício já aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio à espera de sanção pelo governador para ser implementado. O Estado também obteve aval do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), formado por representantes da União e dos Estados, para instituir um programa de parcelamento de débitos com descontos de até 90% em multas e encargos. Enquanto isso, o Rio já deixou de pagar R$ 58,5 bilhões em dívidas com a União.

No atual momento, permanência do Rio em programa de socorro do governo federal está garantida por uma liminar do TCU. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

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A avaliação entre técnicos do governo federal é que o texto da lei do RRF deixou brechas para que os gestores continuem dilapidando a arrecadação em nome de um gesto político a determinado setor sem que haja uma punição efetiva. No caso do Rio, além dos novos benefícios, já houve até agora uma frustração de R$ 1,56 bilhão em relação à promessa feita há três anos de revisão nos incentivos concedidos antes do socorro.

Na tentativa de estabelecer um diálogo com a União pela permanência do Rio no programa, o governador em exercício, Cláudio Castro, anunciou um pente-fino nos benefícios fiscais para detectar o que está funcionando e o que não está dando resultado e pode ser revisto. Em paralelo, a revisão da lei do RRF deve endurecer as regras para tentar desencorajar os Estados socorridos a continuar desrespeitando a regra.

Neste momento, o Rio tem a permanência no regime de recuperação garantida por uma liminar do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, até que o impasse em torno da sustentabilidade do ajuste do Estado e da mudança na lei do RRF seja solucionado. A revisão nas normas do programa depende de aval do Congresso Nacional.

Falta de transparência

O Conselho Supervisor do regime de recuperação do Rio alerta em seu mais recente relatório de monitoramento que, além da aceleração dos incentivos entre 2019 e 2020, seis dos nove benefícios instituídos não contam com informações detalhadas sobre seu impacto nas receitas do Estado.

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“Observa-se com preocupação normativos de renúncia fiscal sendo editados sem transparência quanto ao impacto para a economia já deteriorada do Estado do Rio de Janeiro e sem uma política tributária clara que os justifiquem”, diz o documento. A ausência dos cálculos prejudica a análise dos técnicos sobre a capacidade do Rio em atingir o equilíbrio em suas contas ou sobre a necessidade de medidas complementares.

Apenas na gestão Witzel, foram criados benefícios tributários ou regimes especiais para bares, restaurantes, joalherias e setor de bijuteria, empresas do setor de produtos derivados de carne, usinas de geração de energia elétrica, setor metal mecânico, além de isenção de ICMS em operações com bens ou mercadorias destinadas à atividade de exploração ou produção de petróleo e gás. A última lei, que ainda depende de sanção, beneficia o comércio varejista. Só três benefícios tiveram impacto mensurado e somam R$ 205 milhões.

Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a avaliação de técnicos da área econômica é que a lei do RRF impôs uma contenção forte nas despesas do Estado que ingressa no socorro, mas acabou ficando frouxa no controle das renúncias de tributos.

Punição

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Autor da proposta que altera as regras do regime de recuperação, o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), diz que o texto pretende impor punições intermediárias ao Estado que aderir ao programa e, mesmo assim, continuar concedendo benefícios fiscais. Segundo ele, a penalidade seria uma aceleração no pagamento da dívida do governo estadual com a União (que pelas regras normais será suspensa no primeiro ano e retomada gradualmente ao longo do plano, que poderá durar até dez anos).

“O texto mantém obrigatoriedade de redução dos incentivos, mas passa a adotar mecanismos de punição intermediários. No regime atual, se você descumprir, só tem uma punição, que é sair do regime. Os alertas não têm efeito punitivo. Agora, o projeto prevê três estágios de multa. A multa é aumentar o porcentual da parcela da dívida a ser paga. Essa aceleração vai até 30% de aumento. Na quarta punição, é a saída do regime”, explica Pedro Paulo.

O deputado criticou a “farra de incentivos” que prevaleceu no Rio de Janeiro nos últimos anos e disse que cabe ao Executivo estadual gerenciar o cumprimento das contrapartidas do regime e o respeito às proibições. Pedro Paulo disse, porém, que recebeu “com muito entusiasmo” a sinalização do governador em exercício de que fará uma revisão nos incentivos.

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A Secretaria Estadual de Fazenda do Rio informou que “os incentivos fiscais do Estado de fato precisam ser revistos e aperfeiçoados” e disse que trabalha num conjunto de ações na área tributária, com três frentes: novo processo de concessão e revogação dos benefícios (com metas de arrecadação e geração de empregos a serem acompanhadas por uma comissão, além de maior transparência nos dados), nova estratégia de fiscalização para coibir sonegação e a reformulação da estrutura dos incentivos.

“Além disso, a Sefaz-RJ está construindo uma proposta de política tributária para o Estado, baseada na definição de setores estratégicos e na simplificação do ICMS estadual, hoje composto por um conjunto de centenas de leis”, diz o órgão. A proposta será discutida no Conselho Estadual de Política Tributária (Cepot), criado no último dia 1º de setembro.

Sobre o Refis para renegociação de dívidas tributárias, a Sefaz do Rio informou que o objetivo é “recuperar recursos de impostos”, mas disse não haver renúncia dos tributos devidos. “A pandemia e a recessão repentina e profunda fizeram crescer exponencialmente a inadimplência tributária. Como consequência, há grande necessidade de regularização tributária por parte das empresas. Pelo lado do Fisco, a medida pode ser importante para recuperar parte da queda da arrecadação dos últimos meses”, diz a nota.