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Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

(Des)Governança

Estudo do Banco Mundial ressalta o impacto negativo da falta de governança sobre a eficácia das políticas públicas

Por Ana Carla Abrão
Atualização:

Trabalhei anos no mercado financeiro, onde governança é coisa muito séria. Comitês formalmente estabelecidos, mandatos claramente definidos, alçadas, regulamentos, conduta e ética e mesmo cultura definem o processo decisório. Toda essa parafernália de regras, normas e políticas garantem a sustentabilidade do negócio, a correção das decisões, a alocação e divisão de responsabilidades e, consequentemente, a garantia do melhor resultado.

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Governança no setor público, por outro lado, é o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle que visam a avaliar, direcionar e monitorar a gestão das políticas públicas de forma a atender os interesses da sociedade. É por meio da governança que se garante que a delegação a outra pessoa dos poderes de administrar recursos públicos esteja alinhada aos interesses dos seus donos, neste caso, os cidadãos.

Mas a vida prática no setor público logo mostra que ali a coisa não é bem assim. Decisões de gestão, priorização de políticas, alocação de recursos, seleção de pessoas para cargos críticos e até mesmo abertura de concursos ou aumentos salariais ficam a cargo do topo da estrutura, sem que haja um processo que garanta que as decisões sejam – considerando-se o todo e os objetivos estratégicos da administração – as melhores para o cidadão.

Isso é falta de governança e se reflete em desperdício de recursos, mudanças nas prioridades, falta de planejamento ou decisões que, no seu conjunto, significam perda de eficiência e desalinhamento de interesses na gestão da coisa pública.

O Banco Mundial, no relatório Desenvolvimento Mundial 2017: Governança e o Direito, ressalta o impacto negativo da falta de governança sobre a eficácia das políticas públicas. Esse diagnóstico está relacionado a fatos muito conhecidos nossos, como a falta de eficácia no combate à corrupção, a ineficiência que acompanha a descentralização na alocação dos recursos e a dificuldade em manter a consistência das políticas fiscais.

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Do mundo para o Brasil é um pulo – no abismo. Em relatório divulgado em 2017, o Tribunal de Contas da União (TCU) apresenta as conclusões de um levantamento amplo sobre governança no setor público brasileiro, resultado da consolidação de estudos conduzidos desde 2013 com o objetivo de avaliar a situação da governança no setor público brasileiro e fomentar a adoção de boas práticas. O levantamento agora é anual e tem caráter autodeclaratório e baseia-se em entrevistas e informações coletadas com gestores públicos dos 488 órgãos públicos que são submetidos à avaliação.

Os resultados são, ao mesmo tempo, preocupantes pela constatação da insuficiência de critérios mínimos de governança no setor público brasileiro e muito intuitivos se levarmos em conta o caos, os escândalos de corrupção e o grau de captura que boa parte da administração pública brasileira apresenta atualmente. O TCU define uma escala que classifica o grau de governança em inexpressivo, inicial, intermediário ou aprimorado, nada menos do que 58% dos órgãos públicos brasileiros apresenta índice integrado de governança e gestão (iGG) como inexpressivo ou inicial. Dentre os subitens que compõem o índice geral, são os de gestão de pessoas e de gestão de contratações os que ostentam a pior avaliação. O que está longe de surpreender.

Ao avaliar individualmente o grau de governança de órgãos específicos a perplexidade dá lugar à obviedade. Não é de se surpreender que são os ministérios, em particular os ministérios com atuação finalística como o do Trabalho ou o das Cidades, os que apresentam as piores avaliações. A notícia mais triste, contudo, é que há alta correlação entre o orçamento do órgão e seus baixos índices de governança, ampliando o problema exponencialmente. Ou seja, justamente onde há mais dinheiro público a ser gerido é onde menos se tem a cultura de cuidar para que ele seja bem alocado.

Como não existe dinheiro público, o TCU merece parabéns ao escancarar o que todos nós já sabíamos sem saber: a maior parte do nosso dinheiro está sendo alocada sem que se garanta que irá nos beneficiar. Mais uma prova do desgoverno que tomou conta do nosso País.

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

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