22 de junho de 2011 | 00h00
A cobrança de 48 cargos de segundo e terceiro escalões é até moderada, num país onde a máquina pública é tratada como patrimônio dos grupos no poder. Alguns Ministérios, como o da Fazenda, compõem a chamada cota presidencial, como se os aliados, por algum misterioso critério de justiça, tivessem direito a uma grande fatia da administração. Se a presidente esperava governar sem distribuição de postos e dos benefícios impropriamente associados ao poder, deve ter perdido a ilusão.
Não cabe à Moody"s e a outras agências de classificação de risco examinar e avaliar a divisão da pizza formada pelos postos da administração direta e indireta, nem a distribuição do enorme bolo de recursos públicos. Seu problema é saber se sobrará o bastante para a liquidação dos empréstimos. Esse julgamento restrito nem sempre tem dado certo, como provaram muitas crises financeiras das últimas duas décadas.
Mas a divisão do butim e a destinação do dinheiro público fazem muita diferença para cidadãos e contribuintes. Milhões de famílias pobres conseguiram sobreviver com menos aperto, nos últimos anos, graças a programas de transferência de renda. A maior parte voltará à miséria, se a ajuda for interrompida, e a presidente Dilma Rousseff parece haver reconhecido esse fato. Mas o combate à pobreza e a promoção do desenvolvimento seriam muito mais eficientes se outros padrões orientassem a gestão pública e menos dinheiro fosse desperdiçado.
Em 2010, a União concedeu benefícios fiscais no valor de R$ 143,9 bilhões. Esse montante supera "a soma dos orçamentos das políticas de saúde, educação e assistência", segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). De acordo com o relatório encaminhado ao Congresso, faltam indicadores e prestações de contas para se avaliar o uso desse dinheiro. Também falta controle da aplicação das verbas transferidas voluntariamente a Estados, municípios e instituições privadas "sem fins lucrativos".
Essas transferências cresceram 94% em cinco anos e chegaram no ano passado a cerca de R$ 30 bilhões. Entre 2009 e 2010 aumentou 8% o número de prestações de contas não apresentadas no prazo legal. O número de contas apresentadas e não analisadas diminuiu 2% e caiu para 43 mil, mas seu valor aumentou 13% e ficou próximo de R$ 18 bilhões, segundo gráfico incluído no relatório. Outra área especialmente obscura, e muito perigosa, por envolver endividamento federal, é a das transferências do Tesouro ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O banco recebeu cerca de R$ 200 bilhões em créditos, em 2009 e 2010, e mais R$ 30 bilhões foram liberados neste ano, mas o custo dos subsídios permanece misterioso.
Cidadãos e contribuintes medianamente informados sobre a vida pública brasileira têm razões mais que suficientes para viver em pânico. No ano passado, a tramitação do projeto de lei orçamentária começou com escândalos de entidades fantasmas e beneficiários laranjas. Neste ano, surpreendeu-se o Ministério da Educação, mais de uma vez, gastando dinheiro com material didático de baixa qualidade. A gestão das obras da Copa 2014 e da Olimpíada 2016 continua ruim - como também já observou o TCU. O atraso dos investimentos vai resultar em custos inflados, como ocorreu nos Jogos Pan-Americanos.
A tentativa de impor sigilo aos orçamentos combina com esse estado de coisas. A manobra pode fracassar, porque foi denunciada e a imprensa chamou a atenção para o assunto. O controle dos meios de comunicação, mais uma vez defendido pelo ex-presidente Lula, em reunião com blogueiros amigos, ainda não foi implantado. Mas a ideia continua na pauta dos mensaleiros e de seus defensores. Há muito mais na gestão das finanças públicas brasileiras do que sonha a filosofia das agências de risco.
JORNALISTA
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