27 de abril de 2022 | 17h33
Atualizado 28 de abril de 2022 | 14h40
BRASÍLIA - O retorno da gratuidade do despacho de bagagem na aviação comercial, aprovado ontem pela Câmara dos Deputados, pode barrar a vinda de aéreas de baixo custo, chamadas de low cost, para o Brasil, na avaliação de fontes do governo que pediram anonimato.
Em 2019, dois anos após a aprovação da cobrança, o Congresso chegou a aprovar o retorno da gratuidade, mas a benesse foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro e posteriormente mantida pelos parlamentares. À época, o movimento foi encarado como um voto de confiança nas tratativas que o governo já tocava para atrair mais empresas ao mercado doméstico. A pandemia da covid-19 que se iniciou no ano seguinte, no entanto, pôs as conversas na geladeira, diante do forte impacto da doença na movimentação aérea.
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Essa situação começou a mudar à medida que o setor aéreo mostra uma recuperação. Os dados mais recentes da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) apontaram que a demanda e oferta de voos domésticos cresceu 29% e 25%, respectivamente, em fevereiro, comparado ao mesmo período de 2020. Nesse embalo, o governo começou a retomar tratativas com investidores. Segundo apurou a reportagem, entre potenciais interessadas em operar no mercado doméstico estão a chilena JetSmart e a colombiana Viva Air, que num primeiro momento vem para o Brasil para operar rotas internacionais.
Segundo uma fonte do governo, o trabalho de convencimento de entrada dessas empresas pode demorar anos, ação que depende de uma estabilidade no funcionamento das regras no País.
Integrantes do Ministério da Infraestrutura afirmam que o governo ainda estuda qual estratégia vai adotar para tentar conter o avanço da gratuidade. É possível trabalhar para derrubar a emenda no Senado, ou até mesmo num eventual retorno da matéria para a Câmara. Se em nenhuma das Casas o Executivo conseguir uma vitória, ainda há a possibilidade de veto da medida - depois, é preciso convencer o Congresso a eventualmente manter a decisão do presidente.
A ala técnica vai precisar tomar cuidado especial para barrar a medida neste ano, já que a proposta de gratuidade é vista como prato cheio para um ano eleitoral. Na Câmara, o item passou por meio de uma emenda apresentada pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC). O governo foi contra o despacho de bagagem sem cobrança, mas não teve força para barrar a aprovação da emenda. O Republicanos, que faz parte da base governista, por exemplo, orientou sua bancada a votar a favor da gratuidade.
Em nota, a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) afirmou que a extinção da prática de cobrança de bagagens é um retrocesso e destacou que após a implementação da cobrança pela franquia, ao menos oito empresas estrangeiras, sendo sete low cost, demonstraram interesse em operar no País. "Em 2020, porém, a pandemia do novo coronavírus interrompeu abruptamente esse movimento", disse a Abear, afirmando ainda que, antes dessa regra, o valor pelo despacho de bagagem era diluído no preço dos bilhetes de todos os passageiros.
A Associação Latino-americana e do Caribe do Transporte Aéreo (ALTA) também afirmou, em nota, que acompanha com preocupação a inclusão de destaque que torna novamente obrigatória a franquia de bagagem despachada em voos brasileiros. Para a associação, a volta da obrigatoriedade no despacho de bagagens representa um "retrocesso ao processo de simplificação do setor aéreo brasileiro".
“Ao alugar um carro, por exemplo, pode-se escolher funcionalidades como ter ou não ar-condicionado e ter câmbio automático. Caso prefira um modelo mais econômico, o consumidor pode alugar um veículo manual e sem ar-condicionado. Se fosse obrigatório esse tipo de facilidade, qual perfil de carro sairia do mercado? O mais barato. O mesmo acontece com as passagens aéreas. Se hoje temos tarifas médias a preços mais baixos mesmo com a disparada do dólar e do combustível, é porque existem diferentes tipos de tarifas e as pessoas podem escolher como vão voar”, afirmou José Ricardo Botelho, CEO da ALTA.
"É importante não se iludir: medidas como esta prejudicam toda a população na medida em que retiram do mercado doméstico brasileiro a possibilidade de escolha do cidadão e impedem a vinda de novas empresas low cost. Se essa vinda ainda não se concretizou, muito se deve à insegurança jurídica que temos e ao período de pandemia que já dura quase 2 anos”, disse Botelho.
Para a ALTA é importante que as empresas que operam em modelo low cost sejam ouvidas. Segundo Felix Antelo, CEO da colombiana Viva Air, um mercado mais restrito pode inviabilizar a vinda da companhia para o país. “Nosso modelo de negócio é baseado em uma estrutura de custos e de precificação low cost, então buscamos mercados mais flexíveis e abertos para tornar as operações viáveis”.
A argentina Flybondi, que já opera rotas internacionais no Brasil, explica a dificuldade de permanência caso a bagagem volte a ser obrigatória. “Operamos tours internacionais em 4 países com tarifas diferenciadas mas sempre com o modelo low cost. É isso que nos torna mais acessíveis e populares. No Brasil, atualmente operamos 3 rotas de conexão com a Argentina, e estamos analisando a adição de novas, bem como avaliando o mercado doméstico neste país. Esperamos que o mesmo continue acontecendo no Brasil para que o país continue sendo considerado em nosso modelo de negócios”, disse Mauricio Sana, CEO da Flybondi.
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