PUBLICIDADE

Despedida, após 45 anos

Por ETHEVALDO SIQUEIRA
Atualização:

Esta é minha última coluna neste Estadão. Escrevo-a com emoção, porque este jornal faz parte de minha vida. Aqui comecei a trabalhar no dia 10 de março de 1967. Quando olho para trás, fico espantado ao perceber quanta coisa mudou no mundo, no Brasil e na tecnologia. Quase tudo que aprendi em meu ofício aprendi aqui. E ainda tive o privilégio de conviver com jornalistas como Júlio de Mesquita Filho, Júlio de Mesquita Neto, Ruy Mesquita, Fernando Pedreira, Oliveiros Ferreira e uma lista de companheiros cujos nomes não caberiam neste espaço. Nas diversas posições por que passei - como redator, editor, repórter especial e colunista -, meu trabalho sempre se concentrou em tecnologia, principalmente eletrônica, comunicações, espaço e informática.Quem mais me estimulou a cuidar dessa área foi o dr. Júlio de Mesquita Filho, logo que aqui cheguei, em 1967. Lembro de suas palavras, em seu estilo paternal: "Meu filho, quero que você cuide sempre das áreas de tecnologia e de comunicações. O jornalismo precisa de especialistas."Nunca deixei de seguir aquela recomendação, até porque minha paixão por tecnologia vem desde a infância. Quando eu tinha nove anos de idade, minha mãe, que era telegrafista, me ensinou o código Morse.Um balanço. Gostaria de fazer nesta última coluna um balanço sucinto das grandes mudanças tecnológicas e dos momentos políticos mais difíceis que vivemos neste jornal ao longo de 45 anos, pois cobri muita coisa além da tecnologia. Na hora do aperto, como todo jornalista, fui muitas vezes escalado para cobrir manifestações de rua de 1968, sequestros, incêndios apavorantes, como os dos Edifícios Andraus e Joelma, em 1972 e 1974, em São Paulo.Com outros repórteres do Estadão, apanhei da polícia nas ruas e fui preso algumas vezes, simplesmente porque ousava cobrir manifestações ou congressos proibidos. A dor maior, caro leitor, era saber que nossas reportagens e artigos seriam cortados por dois censores semianalfabetos, na redação.Melhores anos. Por mais paradoxal que possa parecer, os anos em que o Estadão esteve sob censura manu militari, de 1968 a 1975, foram, de longe, os melhores anos de nossa vida. Sabíamos por que lutávamos e sentíamos um grande orgulho dessa luta e da coragem deste jornal. Naqueles tempos obscuros, aprendemos a escrever nas entrelinhas, para tentar escapar sutilmente da mordaça e sugerir ao leitor, quase em código, um pouco do que realmente acontecia no País.A partir de 1968, passei a viajar pelo mundo com a missão de cobrir grandes avanços da tecnologia e da corrida espacial, nos Estados Unidos e na antiga União Soviética. Testemunhei momentos fascinantes da história do século 20, com os lançamentos do Projeto Apollo e dos primeiros ônibus espaciais. Visitei laboratórios e participei de congressos, na Europa, no Japão e nos Estados Unidos. A tecnologia. Ainda me espanto quando avalio como e quanto a tecnologia mudou nosso mundo. Em 1967, tudo era analógico. O Brasil tinha, então, pouco mais de 1 milhão de telefones, em lugar dos 300 milhões atuais. O PBX do Estadão, imaginem, contava com apenas 6 linhas-tronco. O congestionamento local e nacional era brutal. Por isso, comemoramos com alegria a chegada do DDD e do DDI, entre 1969 e 1975. O jornalismo me permitiu acompanhar de perto a revolução tecnológica, muitas vezes, em seu nascedouro, nos Bell Labs da antiga AT&T, na Nasa, nas grandes universidades e nas maiores feiras do planeta, como o Consumer Electronics Show (CES), em Las Vegas, que cobri durante 43 anos consecutivos, de 1970 até 2012. Nesse evento acompanhei de perto a evolução da eletrônica de entretenimento, desde o primeiro gravador de videocassete, em 1970, o primeiro Walkman, em 1979, até as mais recentes inovações da atualidade.Nessas quatro décadas e meia, vi nascer o CD, o DVD, o Apple II, o primeiro PC, o Macintosh, o celular, a internet, o iPod, o Blu-ray, o iPhone, o iPad, a TV-3D, a Ultra Definição em 8K, com 32 milhões de pixels, os ônibus espaciais, as sondas Voyager, o Hubble e a Estação Espacial Internacional.Lições dos líderes. Pessoalmente, meu maior privilégio nesse período foi conhecer personalidades incríveis, como o cientista e escritor Arthur Clarke; o astrônomo e visionário Carl Sagan; ou líderes que mudaram a face do mundo, como Akio Morita, da Sony; Koji Kobayashi, da NEC; Bill Gates, da Microsoft; Steve Jobs, da Apple; Craig Barrett, da Intel; Jeff Bezos, da Amazon; Larry Page e Eric Schmidt, do Google; e o garoto Mark Zuckerberg, fundador do Facebook. Foi muito bom ouvi-los, entrevistá-los e aprender um pouco com eles.Despedida. Não vou me aposentar, caro leitor. Ainda tenho muitos sonhos e planos de voos. Dedicarei mais tempo a outros canais, como o meu blog pessoal (www.ethevaldo.com.br) e, a partir de novembro, a um novo projeto cooperativo (o blog www.oraculodigital.com). Como em toda despedida, confesso que estou triste, caro leitor, embora saiba que ainda poderei visitar estas páginas, com meus artigos ou reportagens. O que me anima é a possibilidade de poder escrever mais livros, viajar mais, tocar mais violino, curtir mais a vida. Mas, confesso, terei uma enorme saudade deste jornal e dos amigos que aqui fiz e deixei.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.