PUBLICIDADE

Despedida coletiva

Por Sergio Pinto Martins
Atualização:

Em tempos de crise, muitas empresas são levadas a tomar uma medida extrema para continuar sobrevivendo: despedir um grande número de empregados. A legislação brasileira não disciplina esse procedimento nem define despedida coletiva. Não há proibição em lei para a empresa seguir esse caminho. A despeito disso, os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) da 2ª e da 15ª Regiões mandaram reintegrar os empregados despedidos pelas empresas Amsted Maxion e Embraer, respectivamente, sob o argumento de que deveria ter havido uma negociação coletiva antes de se despedir. O TRT da 3ª Região igualmente ordenou à Usiminas (Ipatinga, Minas Gerais) reintegrar empregados despedidos, alegando falta de negociação prévia. Isso procede? Há vários expedientes previstos em lei e usados em horas de crise que, de fato, exigem negociação prévia. Esse é o caso da redução de salários, prevista no inciso VI do artigo 7º da Constituição. Essa é também a exigência para reduzir ou compensar a jornada de trabalho ou para aumentar as horas nos turnos ininterruptos de revezamento (incisos XIII e XIV do mesmo artigo). A suspensão do contrato de trabalho requer negociação por exigência do artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O mesmo ocorre para ajuizar dissídio coletivo (artigo 114, parágrafos 1º e 2º da Lei Maior). Em todas essas negociações a participação do sindicato é obrigatória (artigo 8º, inciso VI da Constituição). No caso da despedida sem justa causa, a negociação coletiva não é requerida. O inciso I do artigo 7º da Constituição estabelece: "Relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos." Ou seja, o sistema brasileiro consagrou a reparação econômica em caso da despedida sem justificativa. Enquanto não for editada a referida lei complementar (conforme pede o inciso I do artigo 10º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), o empregador é obrigado a indenizar o empregado despedido em 40% do saldo do seu Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Isso significa que o empregador só estará obrigado a fazer negociação coletiva com o sindicato de empregados se houver previsão nesse sentido na convenção ou acordo coletivo. Na ausência, ele está livre para despedir, desde que pague as verbas rescisórias e a indenização. Em síntese: as despedidas coletivas não são proibidas nem disciplinadas por lei. Elas são permitidas. Não podem ser impedidas. Tampouco pode haver determinação de reintegração do empregado despedido. Muitos querem usar o direito comparado e a analogia para buscar critérios de despedida coletiva. Não há lugar para isso. O citado inciso I do artigo 7º da Constituição não faz distinção entre dispensa individual ou coletiva. Logo, o intérprete não pode fazê-lo. Não há lacuna na Constituição. Ainda que assim fosse entendido, não seria possível aplicar o direito comparado, pois cada país ou sistema jurídico tem critérios diferenciados para prever as despedidas coletivas. Por exemplo, o artigo 434 da Lei Federal do México enumera inúmeras condições para as empresas assim procederem. O mesmo ocorre com o Código de Trabalho de Portugal e com vários outros. É claro que a boa prática das relações do trabalho e a observância da função social da empresa recomendam o uso de critérios racionais na hora da despedida coletiva. De fato, muitas empresas, antes de despedir, têm levado em conta o tempo de casa do empregado, sua idade, estado civil, responsabilidades familiares, capacitação profissional e outros fatores. Estas, porém, são condutas voluntárias ou negociadas com os sindicatos. Não existe fundamento constitucional e legal para as empresas assim procederem ou para a Justiça do Trabalho ordenar a obediência a critérios de dispensa ou de reintegração do empregado. Esses critérios poderão ser estabelecidos numa futura lei, mesmo assim, mediante mudança do inciso I do artigo 7º da Constituição. Até o momento, tais critérios não existem em nosso ordenamento jurídico, embora nada impeça que sejam objetos de cláusulas de convenções ou acordos coletivos. *Sergio Pinto Martins, desembargador do TRT da 2.ª Região, é professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.