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Desperdício versus investimento

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Por Rolf Kuntz
Atualização:

O governo deixou de fiscalizar, no ano passado, 38 mil contas de convênios, no valor de R$ 13,3 bilhões - dinheiro transferido para ONGs, Estados e municípios. O governo desembolsou em 2008 apenas R$ 8,94 bilhões para investimentos, 18,68% do total previsto no Orçamento Geral da União. O contraste é evidente: a administração federal destina a convênios não fiscalizados muito mais do que o montante gasto efetivamente com a execução de projetos, principalmente de infraestrutura, custeados pelo Tesouro. Quando a crise chegou ao Brasil, no ano passado - a tal marolinha inofensiva -, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu não cortar um centavo das verbas previstas para as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e outros projetos de investimento sob responsabilidade federal. Não inovou nessa conversa. Frequentemente ele reiterou, nos últimos anos, a promessa de não economizar nos investimentos para ajustar as contas públicas. Repetiu esse discurso como se o governo só não investisse mais por causa da limitação financeira. Pura embromação para gente desinformada. De fato, a administração federal gasta em obras muito menos do que o valor autorizado no Orçamento e, além disso, gasta um monte de dinheiro em programas sem controle. Parte do desperdício é visível a olho nu. Outra parte, provavelmente muito maior, é imaginável, sem muita dificuldade, quando se observa o desleixo na fiscalização do uso das verbas. A comparação entre os desembolsos para investimentos e o valor das transferências voluntárias não examinadas nos últimos anos não deixa espaço para dúvidas. Segundo tabelas preparadas pela respeitada organização Contas Abertas, os desembolsos para investimentos e os valores previstos no Orçamento nos últimos três anos foram os seguintes: em 2006, R$ 6,66 bilhões (R$ 26,15 bilhões); em 2007, R$ 8,62 bilhões (R$ 42,07 bilhões); e em 2008, R$ 8,94 bilhões (R$ 47,86 bilhões). Em termos proporcionais, o maior pagamento ocorreu em 2006 e atingiu apenas 25,49% do total autorizado para o ano. As contas de convênios não examinadas foram muito maiores: R$ 10,6 bilhões, em 2006; R$ 8,4 bilhões, em 2007; e R$ 13,3 bilhões, em 2008, de acordo com o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). Os totais transferidos voluntariamente para convênios, nesses mesmos anos, foram os seguintes: em 2006, R$ 15,3 bilhões; em 2007, R$ 23,9 bilhões; e em 2008, R$ 25,7 bilhões. Se o governo executasse os projetos de investimento com a competência exibida no repasse de verbas para convênios pouco sujeitos a controle, os gargalos da infraestrutura seriam presumivelmente bem menos graves do que são hoje. Os custos de logística seriam menores, a eficiência da economia seria maior e os produtores brasileiros teriam maior poder de competição no mercado internacional - apenas um pouco maior, é claro, porque ainda faltaria remover uma porção de outros obstáculos, como o emaranhado tributário e burocrático, por exemplo. O parecer do TCU confirma outro dado geralmente visível a olho nu: o descompasso entre a execução de obras pelo governo, pela Petrobrás e pelas outras estatais. Segundo o TCU, só 21% das verbas previstas para infraestrutura foram aplicadas pela administração federal no ano passado. No mesmo período, 72 estatais investiram R$ 53,5 bilhões e conseguiram aplicar 79% das dotações orçamentárias, mas com níveis de eficiência muito diferentes. Com R$ 202 bilhões aplicados, a Petrobrás cumpriu 90% de seu programa, enquanto a Infraero, investindo R$ 76 milhões, não foi além de 4,9%. Neste ano, a execução dos projetos previstos no Orçamento Geral da União também não é promissora. Segundo a Contas Abertas, até 2 de junho o governo desembolsou R$ 1,46 bilhão para investimentos, 2,92% dos R$ 50,13 bilhões autorizados na programação financeira. O total empenhado, isto é, formalmente comprometido, chegou apenas a R$ 12,06 bilhões. Nem no papel, portanto, a execução do programa de investimentos sob responsabilidade do Tesouro passou de 24%. Se a recuperação da economia dependesse da execução de obras pela administração federal, o Brasil estaria condenado a uma longuíssima recessão. O gasto em obras públicas seria uma solução tipicamente keynesiana, mas há uma distância amazônica entre declarar-se keynesiano desde criancinha e ter competência para tocar um programa de investimentos. *Rolf Kuntz é jornalista

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