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Desta vez, é diferente

A estratégia da gestão da crise econômica da covid-19 é diferente daquela da crise financeira de 2008

Por Ernesto Lozardo
Atualização:

A crise econômica causada pela covid-19 surpreendeu o mundo tanto quanto a financeira de 2008, mas os impactos socioeconômicos e institucionais são distintos. Importa saber se o Brasil terá, desta vez, a possibilidade de superá-la com rapidez.

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A crise financeira de 2008 foi mais bem administrada pelos países desenvolvidos do que a provocada pela covid-19. O G-20 coordenou duas frentes de estímulos – fiscal e monetário – para evitar que se repetisse a Grande Depressão Econômica de 1929. Houve profunda recessão global, mas durou pouco tempo. No período entre 2008 e 2010, os países do G-20, liderados pelos EUA, decidiram socorrer corporações, instituições financeiras e nações por meio da expansão monetária e linhas de crédito. O gasto global das nações no combate à crise alcançou 22% do PIB mundial. Nos EUA, o banco central (Fed) emitiu moeda e comprou hipotecas, títulos privados e do Tesouro Nacional, capitalizando os bancos e aumentando a liquidez para evitar uma catástrofe sem precedentes.

As estratégias adotadas pelos governos e bancos centrais atuaram em uníssono, permitindo que no início de 2010 a economia mundial desse sinal de recuperação, e isso se estendeu até o advento da crise da covid-19. A crise financeira ocorreu em razão do frágil sistema financeiro global. Capitalizar o sistema financeiro e expandir linhas de crédito foram os caminhos para a saída da crise.

Federal Reserve é o banco central americano Foto: Leah Millis/Reuters

Desta vez, é diferente. A pandemia ressaltou, na ambivalência dos governos quanto à gravidade da crise, a fragilidade dos sistemas de saúde no atendimento e na comunicação com a população e a má logística.

No âmbito do G-20, o presidente dos EUA, Donald Trump, optou pela confrontação com a OMS e a política do Fed. A pandemia serviu-lhe de ambiente adequado para desestabilizar a ordem política e econômica global, especificamente em relação aos países da União Europeia e à China. Essa distopia ainda causa perdas maiores do que as da crise financeira de 2008, pois, naquela, famílias e empresas perderam patrimônio; nesta, perdem a vida e é necessário o isolamento.

A estratégia da gestão da crise econômica da covid-19 tem outra característica: aumentar a dívida pública para atender à queda da renda das famílias pobres e manter taxas de juros reais negativas dos ativos financeiros de renda fixa. Este último, para estimular a migração de poupadores em renda fixa para o mercado de renda variável. Dessa forma, o financiamento da demanda de capital para investimentos das empresas privadas dá-se pelo mercado de capitais. Isso também ocorre no Brasil.

O período da crise depende unicamente da produção de vacinas. Feito isso, a recuperação econômica dar-se-á por meio das empresas privadas, mais capitalizadas, com menor custo de capital, mais produtivas e eficientes. E tudo corre a favor, pois há um novo ciclo de crescimento global.

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Entretanto, nem todos os países desfrutarão deste ciclo. Se o cenário é promissor para os emergentes globais, que contam com infraestrutura de qualidade, abertura econômica, custos internos baixos e crédito para as micro e pequenas empresas, para o Brasil será um pesadelo.

O elevado custo Brasil permanece intocável. As reformas estruturantes não passam de um jogo de interesses privados. Há décadas, os governos federal, estaduais e municipais desperdiçam recursos e se deparam com a realidade na qual as despesas são muito maiores que as receitas. Nos Estados e municípios, a única forma de encontrarem recursos para realizarem políticas públicas será por meio das privatizações dos seus serviços. Numa fase de juros reais negativos e dívida crescente, a questão não é se a dívida é crescente e factível, mas como esse aumento será gasto.

As empresas exportadoras de commodities desfrutarão deste novo cenário mundial, mas o restante da economia brasileira estará fora deste contexto.

A nação navega sem qualquer estratégia de inserção global, que seria o único caminho para reverter a situação social, na qual metade da população vive com renda média abaixo do salário mínimo.

*PROFESSOR DE ECONOMIA DA FGV-EAESP, É AUTOR DO LIVRO ‘OK, ROBERTO. VOCÊ VENCEU! O PENSAMENTO ECONÔMICO DE ROBERTO CAMPOS’