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Devolução de R$ 100 bi do BNDES enfrenta resistências

Apesar do aval do TCU, um conselheiro do banco já se manifestou contra a proposta; há também questionamento sobre legalidade da operação no âmbito da Lei de Responsabilidade Fiscal

Por Vinicius Neder
Atualização:
Plenário do TCU autorizou a devolução Foto: Fábio Motta|Estadão

Embora aprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a devolução de R$ 100 bilhões pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao governo federal ainda enfrenta resistências. O Conselho de Administração do banco terá de aprovar a operação, e pelo menos um conselheiro já se manifestou contra, ao passo que um dos formuladores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ainda lança dúvidas sobre a legalidade da devolução.

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O TCU deu aval à operação na quarta-feira, ao aprovar o relatório do ministro Raimundo Carreiro sobre a consulta feita pelo governo. Horas após a sessão, o banco de fomento informou que devolverá os R$ 100 bilhões de uma só vez, e não em três parcelas anuais, desenho original da operação.

Membro eleito do Conselho de Administração do banco, William Saab declarou ao boletim interno da AFBNDES, associação que representa os funcionários, que a devolução é "equivocada", porque viola "fundamentos de naturezas jurídica e econômico-financeira".

"Sob o aspecto jurídico, o texto disposto no inciso II do Artigo 37 da Lei de Responsabilidade Fiscal é claríssimo quando destaca a vedação ao 'recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação'", afirmou Saab, que é diretor da AFBNDES e representa os funcionários no conselho, em nota publicada nesta quinta-feira no boletim online da entidade.

O economista José Roberto Afonso, que atuou na formulação da LRF no fim dos anos 1990, tem apontado para a ilegalidade da devolução dos R$ 100 bilhões desde que a medida foi proposta pelo Ministério da Fazenda, em maio. O aval do TCU não mudou sua posição, disse Afonso ao Estado.

"Antecipar receita equivale a postergar gasto. Modestamente, eu discordo de qualquer leitura de uma norma simples e precisa da LRF, quando se alega que é preciso entender o contexto e o que mais tem a sua volta", disse em e-mail Afonso, que é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

De 2008 a 2014, o Tesouro Nacional aportou R$ 440,8 bilhões em empréstimos no BNDES. Com juros, a dívida está pouco acima de R$ 500 bilhões. Após acusações de falta de transparência, ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, o Ministério da Fazenda passou a calcular os custos dessas operações.

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De 2008 ao terceiro bimestre deste ano, esses empréstimos custaram R$ 41,9 bilhões em subsídios explícitos e R$ 100,2 bilhões implícitos, conforme a Fazenda. O custo explícito está no Orçamento e deve-se aos juros cobrados em programas como o PSI e o crédito agrícola. Neles, o BNDES empresta com juro ainda mais subsidiado, inferior à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP, hoje a 7,5% ao ano), que paga para captar.

O custo implícito, que não está no Orçamento, vem da diferença entre os juros que a União paga para se endividar e a taxa que o BNDES paga à União. Para fazer aportes no BNDES, o Tesouro emite títulos, pagando perto dos juros básicos (Selic), hoje em 14%. Depois, empresta os títulos ao BNDES, com juros, na média, igual à TJLP. Nessa diferença, o Tesouro sai perdendo.

Ao anunciar a devolução dos R$ 100 bilhões de uma vez, em nota conjunta com o Tesouro Nacional, o BNDES informou que o abatimento imediato da dívida com a União permitiria ainda a economia de R$ 37,3 bilhões nesses custos implícitos - considerando valores dos próximos 35 anos, trazidos ao presente.

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Afonso, do Ibre/FGV, também lançou dúvidas sobre a vantagem financeira da devolução. Para o pesquisador, a economia é "irrisória e deletéria", pois a redução de R$ 137,3 bilhões na dívida bruta da União é a metade do que a dívida subiu neste ano. "Essa devolução não evitará a expansão da dívida pública, muito menos combate as razões para sua expansão. Ao contrário, ao depreciar o lucro do BNDES e os impostos e dividendos que ele repassa ao Tesouro, haverá impacto indireto negativo sobre a geração de resultado primário da União", disse o economista.

Questionado se o BNDES possui pareceres jurídicos validando a devolução, a assessoria de imprensa da instituição de fomento afirmou, por escrito, que "a legalidade foi atestada pelo TCU". O banco informou que haverá reunião extraordinária do Conselho de Administração para apreciar a devolução, mas o encontro ainda não foi marcado.