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Diante de desafio fiscal do País, é preciso cautela para baixar mais os juros, diz Ilan

Para presidente do BC, só com ajuste das contas públicas será possível ter Selic mais baixa, inflação controlada e crescimento; ele diz que o próximo presidente da instituição está alinhado com gestão atual em medidas para baratear crédito

Foto do author Adriana Fernandes
Por Fabrício de Castro , Adriana Fernandes e Silvia Araújo
Atualização:

BRASÍLIA - Prestes a deixar a presidência do Banco Central, Ilan Goldfajn prega “cautela” nas próximas decisões do Comitê de Política Monetária (Copom), órgão que reúne a diretoria do BC para decidir os rumos da Selic, a taxa básica de juros. A principal preocupação é o desequilíbrio das contas públicas, diante da indefinição da aprovação das reformas.

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Hoje, com os índices de inflação sob controle e a atividade econômica em recuperação ainda lenta, uma parcela dos investidores vem flertando com a possibilidade de o BC promover novos cortes da Selic, para abaixo dos 6,5%.

Ilan diz que o seu sucessor, Roberto Campos Neto, está “alinhado” com a atual gestão tanto em medidas para baratear o crédito quanto na condução da taxa básica de juros (Selic) para manter a inflação baixa. A sabatina de Campos Neto foi marcada para o dia 26 deste mês na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. No mesmo dia, serão sabatinados João Manoel Pinho de Mello e Bruno Serra Fernandes para os cargos de diretores de Organização do Sistema Financeiro e Política Monetária.

Sempre criticado pelo descompasso entre a queda da taxa básica e os juros cobrados aos consumidores, o presidente do Banco Central disse que houve um recuo no custo do crédito, mas que o movimento tem de seguir “porque nossas mazelas continuam”. “Vamos chegar lá”, promete Ilan sobre taxas mais baixas para os clientes.

Ilan vai deixar presidência do BC no fim do mês. Foto: ALEX SILVA / ESTADÃO

O BC quebrou o ciclo histórico de juros elevados? Os juros mais baixos vieram para ficar?

A primeira observação é a de que o BC precisa se concentrar em medidas sustentáveis. Quando falamos em administração de riscos, temos de saber que o BC atua para que as mudanças sejam sustentáveis, e não efêmeras. Ter uma inflação baixa para vários anos é uma conquista da sociedade. Isso não significa que essa conquista ocorreu, mas sim que ela tem de ser administrada o tempo todo. O BC tem muito a fazer ainda. Não apenas o BC, mas o governo e a sociedade como um todo. Nós concordamos hoje que a continuidade das reformas e dos ajustes é o principal para manter a inflação baixa, o juro estrutural baixo e ajudar na recuperação da economia.

Muitos analistas dizem que o sr. foi ajudado pelo período de recessão grande no Brasil.

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Em 2016, quando assumimos, o PIB estava caindo 3% e a inflação estava em 10%. Infelizmente, na história brasileira, recessões não são necessariamente acompanhadas de inflação baixa. Temos hoje uma alta ociosidade, tanto do capital quanto no emprego, e isso gera uma pressão de inflação menor. Mas isso tem de ser combinado com a credibilidade de que a inflação ficará baixa. Senão, os reajustes de preços são preventivos, automáticos.

Mas a recessão ajudou?

A recessão não é tudo. O componente importante é o fato de você permitir que as forças de demanda e oferta se materializem. Para isso, é preciso que haja a percepção de que temos certa estabilidade. No Brasil, já tivemos muitos momentos de ociosidade de fatores, mas com inflação. A ociosidade não é o fator central. Ela contribui, porque quando você tem demanda menor, obviamente gera pressão menor. Em nossos documentos, um dos riscos que colocamos é que a ociosidade, talvez, influencie mais. Há outros dois: o de reformas e ajustes, que têm de ocorrer, e o cenário internacional. Nesta última reunião do Copom, falamos bastante do cenário externo. Há uma percepção de que talvez haja desaceleração global mais à frente. E isso muda a percepção de política monetária e tem influência no curto prazo sobre o Brasil.

Sem as reformas fiscais, chegamos no limite de queda da Selic?

Não falaria isso. Eu diria que, com o desafio fiscal relevante que a gente tem pela frente (a Selic), estando hoje nas mínimas históricas, testar novas mínimas históricas, precisa ser feito com certa cautela.

Como o sr. vê a situação fiscal do País hoje?

Para manter a inflação baixa e juros estruturais baixos, permitindo crescimento sustentável, precisamos de contas públicas em ordem. Nós ainda estamos no processo de ajustar as contas públicas.

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Como explicar que hoje temos o menor juros da história, sendo que o fiscal está desequilibrado?

Isso ocorre porque estamos em período de inflação baixa. E você pode explicar a inflação baixa pela ociosidade dos fatores e pelo fato de termos administrado o risco de tal forma que, hoje, o BC fará o que precisar ser feito para manter essa inflação baixa no médio e longo prazos. Agora, não há mágica. No médio e longo prazos, a política monetária não consegue manter a inflação baixa se não tivermos reformas.

O que esperar da sua transição para a gestão de Roberto Campos Neto à frente do BC?

A mensagem é de continuidade institucional. Tanto na Agenda BC+ (medidas para baratear o custo do crédito) quanto na política monetária. Temos um corpo técnico que permanece e vai continuar subsidiando uma diretoria que permanece. Eu vejo uma visão do Roberto Campos alinhada com essa continuidade.

O sr. deu algum conselho para ele?

Ele não precisa de conselhos. Ele tem uma experiência muito grande do mercado financeiro e tem acompanhado a política monetária de vários países. Roberto Campos traz uma experiência muito boa. O caso é de conversas. Ele está se preparando para a sabatina (no Senado).

O Brasil tem uma grande concentração bancária. Como enfrentar o problema?

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Temos de trabalhar em medidas estruturais. A Agenda BC+ fez exatamente isso e tem muito mais a fazer. O que estamos querendo enfatizar é que o custo do crédito das pessoas e os serviços melhorem. Demos bastante força para as fintechs (empresas de tecnologia que atuam na área financeira), as contas digitais. Os entrantes estão tendo forças. Isso está vivo.

O brasileiro comum e as empresas não sentem a queda dos juros.

É preciso olhar os dados. De maio de 2016 para dezembro de 2018, a taxa de juros total era 32% e caiu para 23% ao ano, uma queda de quase 10 pontos porcentuais. Tem de continuar. O Indicador de Custo de Crédito (ICC) estava em 38% e caiu para 31% ao ano. Estamos com queda em quase todos os indicadores. Aí, você pode dizer: ‘eu quero mais queda’. A minha resposta é: ‘vamos chegar lá’. Mas não podemos chegar lá (juros mais baixos para o consumidor) com atitudes voluntariosas. Temos de chegar lá mudando os fundamentos. E os fundamentos são melhorar as garantias.

Chegar lá é ofertar juros mais baixos ao consumidor?

Sim, para o consumidor. Vamos chegar a juros menores do que temos hoje. Mas queria que vocês reconhecessem que, nos últimos anos, houve queda em quase todos os grupos e subgrupos. Aí, podemos dizer que a agenda derrubou o custo do crédito, sim. Ela tem de continuar porque os juros continuam altos, porque nossas mazelas continuam. Enquanto tivermos um custo Brasil do jeito que está, vamos enfrentar o custo de crédito. Temos de trabalhar com o custo Brasil.

No caso do cheque especial, a autorregulamentação da Febraban não funcionou para reduzir os juros. O BC vai precisar fazer o mesmo que fez nos cartões?

O BC continua olhando e avaliando. Isso foi sempre a nossa visão. Sempre a autorregulamentação. São sempre bem-vindas as iniciativas próprias. (A iniciativa) deu certo resultado, mas o BC vai continuar olhando, porque ainda temos taxas altas nessa modalidade. Então, vamos continuar olhando e não descartamos nenhum caminho.

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Como serão as mudanças no crédito agrícola?

Há um grupo de trabalho, com os Ministérios da Economia, da Agricultura e o BC. O BC entra porque tem o crédito agrícola e o direcionamento, e tem a meia-entrada (subsídios). Tudo isso, temos de trabalhar juntos para construirmos um novo modelo. É preciso olhar essas questões de uma forma tranquila, com transição, e avançar para o novo modelo que a gente quer, um modelo acertado com todo mundo.

Por que é tão difícil aprovar o cadastro de bons pagadores no Congresso?

Porque estamos numa democracia. O que nos parece óbvio, às vezes, não parece óbvio para todo mundo. Para nós, o cadastro positivo é uma medida que tem pouco custo, muito benefício e que já deveria ter saído. Acho que estamos no caminho. Se observar bem, no cadastro positivo o texto principal passou e estamos apenas nos destaques. Confio que vai passar.