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Dilemas da política fiscal de Obama

Por Rogério L. Furquim Werneck
Atualização:

A histórica sucessão de George W. Bush por Barack Obama ressalta a inesgotável vitalidade dos EUA como nação e sua extraordinária capacidade de renovação. Ainda é cedo para vislumbrar com clareza como tal mudança se refletirá na eficácia da ação coletiva que se faz necessária para que a sociedade norte-americana supere a grave crise econômica que vem enfrentando. O certo é que, para Obama, chegou o momento de traduzir palavras em ações, de arregaçar as mangas e tomar decisões específicas, de escolher, do vasto leque de possibilidades aventadas, que formas concretas e detalhadas de intervenção poderão ser mais efetivas na superação da crise. Não se pode subestimar a complexidade do desafio envolvido nesse detalhamento. Para ter noção das dificuldades envolvidas, basta ter em conta as múltiplas questões que terão de ser consideradas no desenho detalhado da política fiscal, deixando de lado outras dimensões da agenda maior de política econômica. Fundos públicos não são ilimitados. Qualquer que seja o cacife fiscal com que possa contar, Obama terá de decidir entre usos alternativos. Uma primeira decisão, já bastante difícil, é de que forma dividir os recursos entre um grande programa de estímulo fiscal, de um lado, e o aprofundamento do saneamento do sistema financeiro, do outro. Há algumas semanas ainda havia quem acreditasse que a tarefa de saneamento estava basicamente concluída e que os recursos públicos poderiam passar a ser canalizados para um programa de estímulo fiscal. Hoje parece mais do que claro que a reestruturação do setor financeiro poderá requerer um montante considerável de recursos fiscais adicionais. Ben Bernanke vem insistindo que, sem a reconstrução do setor financeiro, não haverá como estimular a economia. Na equipe econômica de Obama circula a ideia da criação de um "lixão" bancário, administrado pelo governo, para o qual seriam carreados todos os ativos podres do sistema financeiro. Não se sabe ainda quanto isso poderia vir a custar. Mas não sairia barato. Antes de saber de quanto de fato poderá dispor para financiar um programa de estímulo fiscal, Obama terá de discutir qual a magnitude do estímulo que se faz necessário. A cifra que vem sendo aventada é da ordem de US$ 800 bilhões, cerca de 5% do PIB, ao longo de dois anos, com um mínimo de US$ 600 bilhões nos primeiros 18 meses. Mas não falta quem insista que, dada a profundidade da recessão, isso é insuficiente. O fato, contudo, é que vai ser difícil determinar a exata magnitude do estímulo requerido sem descer a detalhes sobre o formato das políticas envolvidas. E aqui a discussão se torna ainda mais complexa. Há quem defenda redução de impostos e quem se bata por expansão de gasto público. O que leva a indagações sobre que impostos exatamente reduzir e que programas de dispêndio expandir. Tudo indica que não será fácil conceber formas minimamente defensáveis de se despender centenas de bilhões de dólares adicionais a curto prazo. Seja como for, é preciso ter em conta que essas não são questões exclusivamente técnicas, que Obama possa resolver no âmbito do Poder Executivo. Longe disso. As decisões estão fadadas a envolver uma economia política extremamente complexa, marcada por negociações intrincadas, com o Congresso sob forte pressão de governadores e prefeitos afligidos pela crise e lobistas de todo tipo. Vai ser difícil conter as preferências do Congresso por gastos recorrentes e programas de caráter mais populista e clientelístico. E, não se pode esquecer, o próprio Obama terá de dar o devido peso a suas promessas de campanha como, por exemplo, de redução de impostos e de universalização da assistência médico-hospitalar. Resta ainda a questão do tamanho do cacife fiscal com que efetivamente poderá contar Obama, que remete à interminável discussão sobre os limites da sustentabilidade fiscal nos EUA. O que já se sabe é que, com o pacote de estímulo fiscal que tem sido aventado, o déficit público poderá atingir nada menos que 10% do PIB em 2009. É até possível que o governo possa se permitir tal extravagância por um ano ou dois. Mas, tendo em vista o grave desequilíbrio estrutural das contas públicas que já vinha sendo observado antes da crise, é difícil que déficits dessa magnitude possam ser sustentados por muito tempo. *Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

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