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Dilma 1 versus Dilma 2: ciência e persistência

Por Alkimar R. Moura
Atualização:

Uma das atividades profissionais mais difíceis no governo Dilma é a desempenhada pelos analistas macroeconômicos. Cabe a eles a tarefa de tentar entender o dia a dia da política econômica, no momento em que esta sofre uma inflexão na sua direção e intensidade, totalmente em desacordo com o sentido das decisões implementadas no primeiro mandato, ou seja, no Dilma 1. Com efeito, nesse período, caracterizado por uma política econômica voluntarista e inconsequente, as tarifas públicas sob controle da União foram comprimidas, com o objetivo de conter a taxa de inflação. Os preços dos combustíveis também foram tabelados em níveis que não guardavam nenhuma relação com os custos de importação do petróleo, o que acarretou o enorme desequilíbrio financeiro para a Petrobrás. A contenção artificial de preços administrados, como esperado, reduziu a inflação medida pelo IPCA, a meta de política monetária do Banco Central. Com isso, a taxa básica de juros sofreu uma redução, atingindo a mínima de 7,12% ao ano, no início de 2013. Além da política monetária expansionista, os desajustes macroeconômicos do período Dilma 1 foram amplificados pelas políticas fiscal, cambial e comercial, o que produziu um aumento da relação dívida pública/PIB, uma valorização da taxa efetiva real de câmbio e um fechamento da economia em relação ao comércio mundial. Essas decisões, implementadas em resposta à crise global de 2008, foram mantidas por mais tempo do que seria razoável, dadas as mudanças nas condições externas. Em razão disso, o que se colheu no período Dilma 1 foi o medíocre crescimento econômico e a manutenção da taxa de inflação próxima ao limite superior da meta. Neste início do período Dilma 2, os experimentos heterodoxos foram abandonados na prática (ainda que não na retórica presidencial) e voltou-se a uma tentativa de restabelecer o tripé macroeconômico iniciado após a crise de 1999: metas de inflação, taxa de câmbio flutuante e política fiscal restritiva. É uma reviravolta de 180 graus na política econômica e, pelo que se viu até agora, com algum apoio no Legislativo. Mesmo que tal mudança possa parecer surpreendente, a experiência histórica já registrou períodos em que houve uma súbita inversão na política econômica, indo de experimentos heterodoxos fracassados para a adoção da mais dura ortodoxia macroeconômica. Um dos exemplos mais conspícuos desta súbita conversão à racionalidade ocorreu no longínquo ano de 1981, quando o poderoso ministro do Planejamento, tendo prefixado as correções monetária e cambial no ano anterior, num período de inflação explosiva, foi obrigado a abandonar esta política anti-inflacionária e voltar à utilização de instrumentos convencionais (desvalorização real da moeda nacional, elevação da taxa real de juros e controle dos gastos públicos). O ajuste econômico, que se prolongou até a desvalorização cambial real em 1983, lançou as bases para um período de forte crescimento econômico, o que, de certa forma, facilitou a transição do regime militar para a abertura democrática. No momento atual, o que motivou o descarte do modelo Dilma 1? Certamente, não foram as restrições do balanço de pagamentos nem as dificuldades de rolar a dívida pública ou a ameaça de uma elevação persistente da taxa de inflação, bem acima da meta. Provavelmente, o fator mais relevante para a mudança tem que ver com o modesto crescimento do PIB no período e seu impacto na taxa de emprego. Para um grupo político que pretende governar o País por longo período, entregar um pífio crescimento econômico não parece ser forte catalisador de votos para sustentar suas pretensões de continuidade administrativa. De outro lado, um ajuste macroeconômico não é capaz de produzir milagres instantaneamente. Pelo contrário, apertos na política anti-inflacionária em geral vêm acompanhados de recuos temporários na atividade econômica, afetando sobretudo a produção industrial. O sucesso do programa Dilma 2 vai depender de uma combinação de ciência, ou seja, apoiar-se em fundamentos econômicos sólidos e já testados, e em persistência, significando a decisão de manutenção do programa, mesmo enfrentando os percalços transitórios de queda na atividade econômica e no emprego. Como no exemplo anterior, os benefícios dessa escolha devem vir mais tarde, sob a forma de recuperação econômica sólida e sustentada. A lamentar o tempo perdido nos quatro anos de Dilma 1. Esperemos que os resultados de Dilma 2 suplantem de longe os desacertos do período anterior.*Alkimar R. Moura é professor aposentado de Economia da FGV/SP 

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