A presidente Dilma Rousseff deu entrevista avaliando o aniversário de 5 anos do impeachment, em que colocou o teto de gastos como um dos “dois crimes imediatos permitidos pelo golpe”. Equiparou-o, assim, à destruição da Amazônia – o outro crime. É uma boa oportunidade para botar no chão o debate sobre ajuste fiscal, já que é frequentemente esquecido que a própria presidente enviou um teto de gastos ao Congresso em 2016. Como teriam sido os últimos anos com o teto de Dilma, em vez do teto de Temer?
A entrevista a Olímpio Cruz Neto é longa e perpassa vários temas: nela, a presidente argumenta que vivemos hoje uma fase mais crítica de um processo de erosão da democracia que teria se iniciado no impedimento. O teto de gastos, por sua vez, teria retirado o povo do Orçamento.
O que é o teto? O teto é um limite anual para os gastos públicos, vigente durante anos. Esse limite, conforme idealizado, não poderia ser ultrapassado: caso fosse, aumentos de gastos seriam bloqueados, grosso modo com o funcionalismo e com a Previdência (por meio do salário mínimo).
O que era a proposta de Dilma? Um limite anual para os gastos públicos, vigente durante anos. Não poderia ser ultrapassado: caso fosse, aumentos de gastos seriam bloqueados, grosso modo com funcionalismo e a com a Previdência (por meio do salário mínimo).

A lógica de ambos era similar. O diagnóstico do teto Dilma, enviado com pedido de urgência para o Congresso, pode surpreender alguns leitores. O problema a ser resolvido: “Desde a Constituição de 1988, o gasto público cresce continuamente em relação ao PIB”. Em decorrência, a carga tributária aumentaria demais, de forma a comprometer o crescimento e colocar em risco até “as conquistas sociais da sociedade brasileira”. A boa política fiscal deveria “assegurar a manutenção da estabilidade econômica, a sustentabilidade intertemporal da dívida pública”.
E o que há de diferente? Além de tecnicalidades (a redação do desenho do teto de Temer é controversa), algumas questões se destacam – inclusive, algumas que depõem contra o discurso da presidente e apoiadores, já que tornariam o seu teto até mais duro. O teto de Temer cresce com a inflação, o de Dilma variaria com o PIB: em uma recessão poderia, em tese, ser reduzido. Assim, estaríamos gastando bem menos nessa crise, e não mais.
Também não havia na proposta exceção para a situação de calamidade, que permitiu, por exemplo, o auxílio emergencial em 2020. A duração era indefinida: enquanto o teto atual dura até 2026, prorrogável no mesmo formato por outros dez anos, a medida de Dilma não tinha prazo final. Por fim, ao contrário do sistema que temos hoje, valeria até para Estados e municípios (indexado à arrecadação).
É verdade, porém, que o teto de Dilma não chegou a ser propriamente discutido pelo Congresso, já às voltas com o impeachment. Comparar uma norma debatida pelas duas Casas por meses (o teto atual) com uma proposta saída apenas do Executivo (o teto Dilma) exige ressalvas.
Mais flexível, o teto de Dilma poderia ser alterado por lei complementar, que exige menos votos e tem tramitação mais acelerada. Vinculados ao PIB, os gastos poderiam aumentar em período de crescimento.
Até pela pandemia, o teto não fez com que o gasto do governo caísse em termos absolutos, e o governo Bolsonaro empreenderá déficits primários durante todo o seu mandato. Dilma conseguiu fazer superávit nos 3 primeiros anos, isto é, em metade do seu governo arrecadava mais do que gastava. “Fortalecer a responsabilidade fiscal para tornar mais efetiva a geração de superávit primário” foi uma promessa sua em 2014, o que adicionalmente permite ver com algum ceticismo as críticas inflamadas contra o teto atual.
Nenhuma das propostas, aliás, incluía inovações importantes: a inclusão dos gastos tributários dentro do teto (o que poderia trazer de forma mais intensa as renúncias aos mais ricos para o debate do ajuste fiscal) ou um sistema de avaliação da efetividade dos gastos (para que a “ciência” seja usada para orientar políticas públicas). O futuro da política fiscal deve passar por aí.
*DOUTOR EM ECONOMIA