PUBLICIDADE

Publicidade

Dinheiro compra confiança?

Por José Pastore
Atualização:

Sim e não. Se depositarem na minha conta bancária um montante que equivale a duas ou três vezes a minha renda anual, meu otimismo subirá vários tons na escala da confiança e, nessas condições, considerarei seriamente comprar um imóvel, reformar a minha casa ou comprar um automóvel zero quilômetro. Se eu receber, porém, apenas uma promessa de que isso vai acontecer, a história é outra. O máximo que farei é pesquisar os preços dos meus sonhos. Se eu não tiver pela frente nem a promessa, o bom senso me indica não ser esta a hora de tentar aventuras. Mesmo que um banco me acene com um empréstimo atraente, relutarei em assumir dívidas. Afinal, não sei se eu e os que trabalham em minha casa estarão empregados. Confiança é um ingrediente fundamental para a ação do consumidor. No Brasil, a regra para comprar a crédito sempre foi saber se a prestação cabe no salário. O mesmo bom senso indica que antes do salário é preciso saber se haverá emprego. O que vale para o consumidor vale para o investidor. Para se lançar em novo empreendimento, ele precisa confiar na possibilidade de vender sua produção. Ele também observa com atenção a situação dos consumidores. Se eles perderem o emprego, a produção ficará encalhada e a quebra é inevitável. O emprego é um dos elementos centrais para gerar a necessária confiança no mundo dos negócios. E como se constrói a confiança? Sabemos que confiança é um sentimento frágil. Pode ser destruída da noite para o dia. E é demorada para ser construída. Muito mais tempo leva para ser reconstruída. A formação da confiança se baseia em observações demoradas de pequenos e importantes detalhes. Tome o caso da confiança interpessoal. Para surgir, avalia-se o comportamento da pessoa, seus valores, suas atitudes, suas manifestações verbais e não-verbais, suas respostas a estímulos sociais, etc. No caso dos casais, é infindável a lista de itens que os parceiros observam antes de adquirirem a confiança para casar. Na economia é igual. A confiança é construída por uma miríade de componentes - o que leva tempo para se formar. Quando se trata de "reconstrução" da confiança o processo é mais longo. Como ocorre entre as pessoas, depois do vaso trincado é difícil uma restauração perfeita. Trincou, trincou. Esta é a situação atual na economia brasileira e mundial. Os consumidores e investidores estão na fase de observar com lente de aumento os pequenos e importantes sinais que formam a confiança. O que eles estão vendo, no momento, são fatos de incerteza. É assustador verificar que os EUA destruíram mais de 2 milhões de empregos em apenas um ano. Da mesma forma, é preocupante verificar que o Brasil criou, em outubro, apenas 61 mil postos de trabalho, quando em setembro ultrapassou a casa dos 280 mil. Em 2008, serão cerca de 2,5 milhões de empregos novos. A abrupta anemia na criação de empregos que apareceu em outubro vai desembocar em desemprego. Com a taxa esperada de apenas 3% de crescimento, o País vai gerar não mais que 1,5 milhão de vagas, que serão insuficientes para atender os 2,5 milhões de candidatos, sem contar o "carry over" de desempregados de 2008 para 2009. A crise mostrou sua feia cara no mercado de trabalho. A confiança dos consumidores e dos investidores estará comprometida. Os R$ 150 bilhões que já foram injetados pelo governo na economia serão insuficientes - além de demorados - para comprar a confiança dos brasileiros nos próximos meses. Essa terá de ser reconstruída palmo a palmo, com base na observação de muitos pequenos e importantes fatos. Os consumidores estarão querendo saber como ficará o seu emprego em 2009; o que acontecerá com o trabalho do seu parceiro ou parceira; o que já ocorreu com seus familiares, vizinhos, amigos e colegas de trabalho. O que se ouve na empresa em que trabalham. E assim por diante. Os investidores, igualmente, estarão na mesma trilha, dando prioridade para a observação do comportamento do mercado de trabalho. Afinal, o emprego é a alma dos negócios e do bem-estar. Ao contrário dos países que já mergulharam na recessão, o Brasil tem boas chances de crescer em 2009. Mas não terá condições de manter o nível de emprego dos anos de 2007 e 2008. Só quando isso mudar a confiança voltará. *José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo Site: www.josepastore.com.br

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.