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Discutir Doha na recessão é insensatez

Por Alberto Tamer
Atualização:

É preciso terminar a Rodada de Doha até o ano que vem. É factível, tecnicamente. Assinado, Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). Tecnicamente, pode ser, sr. Lamy. Politicamente, nunca. Tentar ressuscitar Doha quando o mundo luta apenas para sobreviver, é a maior insensatez. A economia mundial está em recessão e não vai sair dela este ano. Nos Estados Unidos, despenca quase 6% e na Europa afunda ainda mais. O comércio recua 26% e só a OMC e o nosso inefável Itamaraty acreditam em liberalização comercial. Em vez de abertura, o que estamos vendo é a escalada do protecionismo. Inclusive nosso. Sim, do Brasil que se defende como todos os outros. "Países criam três barreiras comerciais por semana ou medidas que distorcem o mercado internacional", constata a Global Trade Alert. Não é uma organização qualquer. É financiada pelo Banco Mundial e o governo inglês exatamente para monitorar a proliferação de medidas protecionistas, informa o correspondente do Estado em Genebra, Jamil Chade. Quando há uma recessão, o comércio é sempre a primeira vítima. ELES Os EUA e a União Europeia reafirmam o que já se sabia nos bastidores de Genebra, mas todos fingiam não ouvir. Os países emergentes - leia-se nós - terão de abrir também os seus mercados para que possamos fazer as concessões que estão nos pedindo. E deixaram bem claro que não têm pressa. Quanto mais demorar melhor. Para eles, é lógico. Estão afundados numa crise maior que a nossa. Vamos apagar o que vinha sendo negociado há oito anos e começar tudo de novo. Acabou a farsa. Se antes, quando a economia mundial crescia à taxa média de 4% ao ano, não queriam acordo nenhum, muito menos agora que estão em recessão. Antes, eles se defendiam onerando importações; hoje subsidiando ainda mais suas exportações. AO VENCEDOR... ... as batatas, diria Machado de Assis. O governo Bush nos seus oito anos, embromou o tempo todo (desculpem, mas às vezes, nada mais expressivo do que uma boa gíria...). Ele entregou o pepino para o coitado do Obama, que recebeu a pior herança desde Roosevelt, em novembro de 1932. Não vamos negociar nada até definirmos a nossa política comercial, afirmou o atual representante comercial americano, Ron Kirk. As exportações americanas estão recuando mais que as importações e não há clima para falar em abertura comercial. PARA NÓS, UMA TRAGÉDIA? Não é, não. As exportações brasileiras até que estão evoluindo bem num mercado mundial deprimido. Principalmente, as agrícolas. E é esse o tema que está na base das discussões da OMC. Com a alta dos preços das commodities agrícolas, ganhamos muito dinheiro apesar do fracasso das negociações de Doha. E nós queremos que os países importadores, os mais ricos, protejam menos os seus produtores, se abram e permitam que lhes exportemos mais essas mesmas commodities. Dá para entender a lógica? Assumimos a liderança mundial em quase todos os produtos principais, nesse mesmo período de negociações. Quando não lideramos, empatamos com os EUA e ficamos no segundo lugar com pequena diferença. AGRICULTURA VAI BEM Graças às inovações feitas por esta magnífica e pouco reconhecida Embrapa, do apoio do governo e dos empresários, a agropecuária brasileira cresceu nestes anos todos e, de certa forma, está salvando o País na crise atual. Não podemos contar tão cedo com a indústria que depende muito do mercado externo. Duvidam? Pois vejam os números do IBGE: a agricultura representa 33% do PIB e 23% do emprego no País, ambos em ascensão. Sua participação é ainda mais expressiva se incluirmos o agronegócio como um todo. O grande volume de produção e a produtividade estão contendo os preços e até agora amortizam em parte o protecionismo americano e europeu, que só aumenta. UM POUCO QUE É MUITO Neste ano, devemos representar ainda pouco da safra mundial de grãos, apenas 6,2%, mas assumimos a liderança em vários produtos. O Brasil é hoje, com os EUA, o mais importante personagem do mercado agrícola mundial, que, mesmo sem Doha,cresceu mais 57% nos últimos anos e voltou a expandir-se após a forte queda dos preços das commodities. Lideramos as exportações de café, açúcar, suco de laranja e carne bovina e de frango. É o que podemos chamar de "liderança qualitativa". Somos bons no que há de melhor. A COLUNA CONTRA DOHA? Não, absolutamente não. Com ela - se um dia for viável, o que não acredito - poderíamos aumentar a produção e as exportações agroindustriais. Quero dizer que Doha é importante, sim, muito importante, mas não é vital e não será nenhuma tragédia viver sem ela. Tentar reabrir agora as negociações é retardar ainda mais a liberalização do comércio agrícola que se espera a mais de oito anos. *E-mail: at@attglobal.net

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