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Disputas trabalhistas e políticas envolvem Vale em massacre na África

Morte de seis manifestantes em protestos contra a política de contratações na Guiné põe parte da opinião pública contra a mineradora

Por ANDREI NETO , CORRESPONDENTE , PARIS , YOUSSOUF BAH , ZOGOTA e GUINÉ
Atualização:

Disputas trabalhistas, étnicas e políticas em torno de uma jazida de minério envolveram o nome da brasileira Vale em um massacre de civis em Zogota, na região florestal de N'zérékoré, na Guiné, na costa oeste da África. O crime aconteceu em 4 de agosto, quando a polícia militar atacou líderes de um movimento que fazia reivindicações trabalhistas. No choque com as forças do governo, seis manifestantes morreram.A ONU enviou uma equipe à região e disse ao Estado que um relatório com a apuração do caso está prestes a ser concluído. O que a ONU já sabe é que o caso começou com um protesto dos moradores de Zogota contra a Vale por causa da política de contratações da companhia brasileira (leia mais na pág. B4).A mina de Zogota faz parte de um projeto ambicioso e arriscado da Vale, localizado na serra de Simandou - tratada pela companhia como uma nova Carajás. O direito de exploração foi comprado por US$ 2,5 bilhões, mas a Vale investiu apenas US$ 500 milhões até agora e avalia se vai levar o projeto adiante.Conflito. Chamado na África de caso Zogota-Vale, o conflito teve início antes dos crimes. Os atritos de moradores com a direção da companhia se arrastavam havia meses. Em 30 de julho, os protestos de habitantes da região mineira de Zogota, no sudeste do país, contra a VBG - Vale BSGR Limited, joint venture da Vale com a BSG Resources, do bilionário israelense Beny Steinmetz - se intensificaram. Em 1.º de agosto, houve um primeiro grande incidente: manifestantes invadiram instalações da empresa, paralisaram as atividades, destruíram móveis, saquearam equipamentos e ameaçaram funcionários. Eles protestavam contra o suposto não cumprimento, por parte da Vale, de uma convenção trabalhista assinada com o governo da Guiné em troca da exploração de minério na região.O acordo prevê que as companhias mineradoras que se instalam no país precisam contratar um porcentual mínimo de mão de obra de etnias locais - no caso, os Guerzé e os Tomas.A Vale alega contratar funcionários guineanos no porcentual exigido (leia texto abaixo), mas membros da comunidade, instigados por líderes políticos, se julgam lesados pela empresa, que não respeitaria a divisão étnica do país. O caso não é o primeiro do gênero na região, onde a Simfer, subsidiária local da anglo-australiana Rio Tinto, também enfrentou hostilidades.Invasão. Com os incidentes de 1.º de agosto, entretanto, o clima entre os funcionários da Vale e a população local se tornou ainda mais tenso. Em 3 de agosto, uma delegação governamental coordenada pelo ministro de Minas, Mohamed Lamin Fofana, foi à região, em veículos cedidos pela VBG - o que a Vale confirma -, para tentar acalmar os ânimos e chegar a um acordo. Mas, por volta de 1h da madrugada do dia seguinte, policiais e milicianos voltaram ao vilarejo, invadindo algumas das 300 casas de Zogota à procura de líderes do movimento, dentre os 2 mil habitantes do vilarejo.Houve choques violentos, uso de bombas de gás lacrimogêneo e armas de fogo pelas forças de ordem. Cinco pessoas acabaram mortas no confronto e uma sexta morreu no hospital dias depois, supostamente em consequência dos ferimentos. Entre os mortos, estava o chefe do distrito, Nankoye Kolé. De acordo com sua mulher, para sobreviver ao ataque, muitos moradores se refugiaram na floresta. "Nós ouvimos o som dos disparos por cerca de duas ou três horas", disse N'iankaye Kolé, ao jornalista da Guiné Youssouf Bah, enviado à região pelo Estado. "Quando os tiros pararam, nós saímos de casa e me disseram que meu marido tinha sido morto."As mortes chocaram a Guiné e geraram revolta contra as autoridades políticas e militares e também contra a direção da companhia, acusada por líderes locais de ter apontado os suspeitos de liderar o movimento. Lafin Loua, chefe do distrito de Maoun, a sete quilômetros de Zogota, vai mais longe. Em depoimento a Youssouf Bah, ele acusou a companhia de ter fornecido os veículos que teriam sido usados para atacar os manifestantes, e não apenas para transportar a missão ministerial - o que a Vale nega enfaticamente. Na madrugada dos acontecimentos, ele conta ter sido acordado por um jovem enviado pelo vice-chefe distrital de Zogota para informá-lo do massacre. "Cinco veículos usados pelas forças militares eram da Vale", disse Loua. "Nós acusamos a Vale por ter permitido que forças militares usassem seus jipes no ataque a Zogota."A versão de Loua é reafirmada por outras testemunhas do vilarejo, também em depoimento a Youssouf Bah. Antoine Kolé, ativista que perdeu um sobrinho no massacre, reiterou a denúncia. "Eu vi cinco jipes da VBG cheios de militares carregando armas tarde da noite", diz ele.A Vale nega essa acusação. "O governo da Guiné solicitou à VBG que cedesse carros para os ministros que visitaram o local invadido, no dia 3 de agosto", disse a companhia em texto enviado ao Estado. "Não foram cedidos carros para transporte de militares."Rejeição. A insatisfação com os assassinatos ganhou a capital regional, N'zérékoré, e logo transformou o caso em um escândalo nacional. Líderes comunitários, políticos de oposição e algumas organizações não governamentais acusam o governo da Guiné de ter agido pelos interesses da VBG. A companhia brasileira, assim como outras multinacionais, retirou seu pessoal da região.As denúncias mobilizaram a Organização Guineana de Defesa dos Direitos do Homem (OGDH), que protestou contra as mortes e exigiu a abertura de uma investigação. Com a repercussão negativa, o presidente da Guiné, Alpha Condé, ordenou a abertura de um inquérito e afastou os prefeitos das regiões de N'zérékoré, Sanoussy Hassan, e Siguiri, Aboubacar Sidiki Kaba - o que fez crescer os rumores de que por trás do conflito com a Vale haveria lutas políticas envolvendo o massacre.Membros de um comitê de crise formado em Zogota em torno dos sobreviventes também protestam contra a presença da VBG na região e contra cinco ministros. Desde o massacre, o país vive em conflito político, impulsionado pelas eleições legislativas que se aproximam. Na segunda-feira, protesto de moradores de Zogota e N'zérékoré foi proibido pelas autoridades locais.

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