Dívida de precatórios pode chegar a R$ 170 bilhões até 2026 com nova proposta do Congresso

Sem o gerenciamento dos precatórios, economistas veem risco de acúmulo das dívidas judiciais com a proposta de adiar os pagamentos que estourarem o teto de gastos no ano que vem

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Por Thaís Barcellos e Francisco Carlos de Assis
5 min de leitura

O acordo costurado no Congresso para solucionar o impasse do pagamento dos precatórios no ano que vem cria o risco de um acúmulo das dívidas nos próximos anos, que pode somar R$ 170 bilhões até 2026 se não forem bem administradas, de acordo com estimativas. 

Após reunião nesta terça-feira, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e o ministro da Economia, Paulo Guedes chegaram a um acordo para enquadar o pagamento dos precatórios na regra do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas da União à inflação do ano anterior. Precatórios são dívidas de ações judiciais que a União é obrigada a pagar quando não há mais possibilidade derecursos na Justiça. 

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Com a proposta acertada no Congresso, o valor de pagamento dos precatórios para 2022 ficaria limitado a uma quantia entre R$ 39 bilhões e R$ 40 bilhões. Com isso, R$ 49,2 bilhões do total previsto de R$ 89 bilhões para 2022 ficaria “alheio ao limite do teto”, e poderia ser transferido para 2023. Segundo apurou o Estadão, a proposta prevê que esses valores possam ser renegociados com os credores

O gerenciamento dos precatórios que ficariam “fora” da regra sugerida pelos presidentes do Senado e da Câmara é importante para evitar o risco de acúmulo dessas dívidas, avalia o economista Ítalo Franca, do Santander Brasil.

Nos cálculos de Franca, sem nenhum tipo de gerenciamento desse “resto”, há potencial para acumular R$ 170 bilhões em precatórios não pagos entre 2022 e 2026, ou 1,5% do PIB previsto para 2022. A simulação considera uma curva de crescimento das despesas com precatórios, com dívidas que podem entrar na conta utilizando como referência a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) e o Balanço Geral da União, e a correção do teto dos precatórios pela inflação projetada.

Segundo o economista, o volume previsto de pagamento de precatórios nos anos seguintes fica entre R$ 70 e R$ 75 bilhões por exercício.

O senador Fernando Bezerra, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, após reunião para discutir acordo para os precatórios Foto: MICHEL JESUS/AGÊNCIA CÂMARA - 21/09/2021

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Franca pondera que é preciso acompanhar se a proposta de Pacheco e Lira, apresentada após reunião com a equipe econômica, vai ser aprovada e se não vai haver contestação jurídica, já que haveria uma postergação no pagamento de dívidas. É preciso ter mais clareza sobre as regras da proposta também e se o sub-teto (isto é, o teto para o pagamento de precatórios) valerá para os anos seguintes, como 2023 em diante.

O economista lembra que, se o cenário para a inflação se confirmar, é possível que haja um descasamento entre o índice que reajusta o teto (IPCA em 12 meses até junho) e o que atualiza o salário mínimo e benefícios previdenciários (INPC em 12 meses até dezembro), como era esperado que ocorresse em 2022. “Se acreditarmos que a inflação vai convergir, podemos ter um descasamento que dê espaço para acomodar mais precatórios em 2023”, diz, citando a previsão de 6,5% para o IPCA até junho de 2022 e 4,0% para INPC de 2022.

‘Remendo’

Para o especialista em contas públicas e economista-chefe da RPS Capital, Gabriel de Barros, a solução para o pagamento de precatórios em 2022 costurada pelos presidentes do Senado e da Câmara é um remendo no arcabouço fiscal e empurra o problema para 2023.“Empurram o problema dos precatórios para frente, piora o desenho da regra fiscal. É ‘solução’ apenas para 2022, total casuísmo”, diz, em referência ao ano eleitoral.

Para o economista, caso a proposta vá à frente, o espaço que seria aberto no teto de gastos, de cerca de R$ 50 bilhões, abriria espaço não apenas para turbinar o Bolsa Família, mas para atender arranjos políticos “questionáveis”. Ele cita como exemplo a reedição das emendas de relator (RP9) -- o chamado Orçamento Secreto --, questionadas pela falta de transparência, e a prorrogação da desoneração da folha de pagamento, que tem custo de R$ 6 bilhões.

“É inaceitável tirar os precatórios do teto de gastos”, diz. A exceção, para ele, são os precatórios ligados ao Fundef, já que o Fundeb (substituição do Fundef) já está fora da regra que limita o crescimento das despesas à inflação. “Estão querendo usar o debate de precatórios para reeditar a emenda do relator e turbinar o Bolsa Família por razões político-eleitorais. É tecnicamente inaceitável.”

Barros ainda argumenta que a saída do Congresso não afasta o risco político-fiscal da tramitação, momento em que podem ser feitas novas mudanças negativas no projeto.

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Na visão do economista e especialista em contas públicas da Tendências Consultoria Integrada, Fábio Klein, a solução que está sendo dada pelo Congresso e Paulo Guedes se inspira na proposta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que ficou conhecida como proposta Fux/Dantas, e não é boa.

O economista chegou a fazer simulações com base na proposta Fux/Dantas, que jogaria para 2023 R$ 48,5 bilhões dos R$ 89 bilhões totais em precatórios. A conclusão a que ele chegou é a de que, mesmo sendo gerada no seio do CNJ, a solução iria incorrer em judicialização.

No caso da proposta desenhada agora entre Executivo e Congresso, segundo Klein, a novidade é o surgimento de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que evitaria problemas jurídicos.

“O medo neste caso é dos penduricalhos que poderiam ser colocados no texto”, observou o economista da Tendências, para quem o que está sendo engendrado agora é a criação de um teto para precatórios, um subteto, dentro do teto geral de gastos. O problema, de acordo com o especialista, é que não se está criando um teto para cortar gastos, como se propõe o teto geral, mas para adiar o pagamento de grande parte de uma dívida que deveria ser paga na sua integralidade em 2022.

Outra desvantagem da proposta, segundo o economista, é que ela não menciona o fato de outros gastos ou precatórios começarão a chegar e a se somar lá em 2023 aos antigos que estão sendo jogados para aquele ano. “Isso vai gerar uma pressão muito grande sobre as contas públicas a partir de 2023 e a proposta não fala como isso será pago”, criticou o economista.

Mercado reagiu bem à negociação

Apesar das críticas à proposta do Congresso, a costura para resolver o impasse dos precatórios foi bem recebida no mercado de ações. O índice Ibovespa encerrou o dia com alta de 1,29%, aos 110.249 pontos. A proposta agradou mais pela forma do que pelo conteúdo. Isso porque mostrou empenho da classe política no Congresso para desatar o nó das dívidas judiciais, sepultando de vez arranjos que dependessem da boa vontade institucional do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União. 

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A Necton Investimentos ressalta a fala do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que reconheceu que os precatórios “devem ser honrados e, ao mesmo tempo, há de ser observado o cumprimento do teto de gastos". / COLABOROU DENISE ABARCA

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