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Economia e políticas públicas

Opinião|Dividendos em questão

Ajuste fiscal pelo lado da receita é mais complexo do que parece à primeira vista

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Por Redação
Atualização:

Uma questão central para o próximo presidente do Brasil é a forma como pretende realizar o ajuste fiscal estrutural sem o qual o País não tem como engrenar uma trajetória de crescimento sustentável. Por definição, há duas formas de ajustar as contas públicas: cortes de despesas e aumento da tributação. Evidentemente, o ajuste pode combinar essas duas vertentes.

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Como tanto uma quanto a outra são bastante impopulares no Brasil de hoje, sempre é meritório quando algum candidato ou seus representantes pelo menos reconhecem que existe um ajuste fiscal a ser feito em 2019. E esse tem sido o caso de Mauro Benevides Filho, um dos principais assessores econômicos do candidato Ciro Gomes.

Economista bem formado e ex-secretário da Fazenda do Ceará por 12 anos, tendo servido a três governadores, Benevides têm deixado claro que o ajuste fiscal é indispensável. O problema, porém, é que seu foco está muito mais no aumento de receita do que no corte estrutural de despesas.

Em recente entrevista ao jornal Valor Econômico, Benevides defendeu a tributação de dividendos, mas não distinguiu aqueles que são pagos por empresas de Lucro Presumido (ou que declaram pelo Simples) dos que são pagos por empresas que apuram resultado pelo Lucro Real. 

O economista Renato Fragelli, professor da EPGE, escola de Economia da FGV no Rio, faz uma distinção entre a situação dos dois regimes.

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Em relação aos regimes especiais de tributação, ele nota que estes permitem a certos trabalhadores qualificados pagar menos IR do que outros com a mesma qualificação, mas que são empregados pela CLT. Para Fragelli, os dividendos pagos por essas empresas aos seus acionistas não são renda do capital, mas sim renda do trabalho qualificado. Nesse caso, o economista compreende os argumentos a favor de taxar dividendos, já que considera os regimes especiais “uma forma legal de se pagar menos imposto usada por trabalhadores qualificados, como médicos, advogados, consultores, jornalistas, artistas de televisão, entre outros”. 

Mas Fragelli considera um caso totalmente diferente a tributação de dividendos distribuídos por empresas médias e grandes que pagam IRPJ sobre o Lucro Real. A típica grande empresa paga IRPJ de 25% sobre seus lucros, isto é, a diferença entre receitas e despesas. Em seguida, sobre o lucro após o pagamento do IRPJ, incide a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O que sobra é distribuído aos acionistas sob forma de dividendos. Assim, para Fragelli, tributar dividendos distribuídos por empresas no Lucro Real seria algo como “cobrar o imposto triplamente”. 

Ele nota ainda que cotistas de fundos de ações e de fundos de pensão já pagam IRPF sobre dividendos, já que o imposto incide sobre a valorização da cota, cujo valor sempre cresce na mesma magnitude do dividendo recebido pelo fundo. Dessa forma, a renda do capital dos cotistas seria, a seu ver, tributada pela quarta vez – pelo IRPJ e CSLL na empresa, e pelo IRPF na distribuição dos dividendos e no resgate da cota. 

“A tributação de dividendos pagos por grandes empresas teria efeito devastador sobre o mercado de capitais e a previdência complementar”, diz o economista.

As ponderações de Fragelli indicam que – concorde-se com elas ou não – a questão do ajuste fiscal pelo lado da receita é mais complexa e espinhosa do que pode parecer à primeira vista. É verdade que no Brasil há injustiça no sistema de impostos, com muitos ricos praticando planejamento tributário enquanto os pobres são desproporcionalmente atingidos pelos altíssimos impostos indiretos.

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Corrigir esse problema, porém, tem que ser um trabalho cuidadoso, sob o risco de criar novas distorções. É muito bem-vinda a disposição de Benevides de falar abertamente sobre a parte do ajuste fiscal a ser feita pela receita, mas é nos detalhes que mora o perigo de piorar ainda mais o sistema tributário brasileiro.

* COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV

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