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Divórcio econômico entre EUA e China é impossível

Pesquisa aponta que 87% das empresas que estão no país asiático rejeitam mudar suas fábricas para a América

Por Claudia Trevisan
Atualização:

Maior montadora dos Estados Unidos, a General Motors vendeu mais carros na China no ano passado do que na terra governada por Donald Trump. O mesmo ocorreu com o KFC, que fritou mais pedaços de frango em seus 5 mil restaurantes no país asiático do que nos 4,2 mil que possui nos EUA. Apesar da desaceleração de seu crescimento, a segunda maior economia do mundo garantiu em 2018 uma expansão de 18% ao Starbucks, que tem 3,7 mil lojas no antigo Império do Meio, de longe o maior número fora dos Estados Unidos. 

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Os dados deixam claro que a intenção de Trump de promover o divórcio entre EUA e China é um delírio. À diferença da União Soviética, cuja economia se limitava a sua área de influência geopolítica, a China está entremeada no tecido das operações globais das corporações americanas, que dependem cada vez mais do apetite da classe média para turbinar suas vendas.

Como um casal fadado a coabitar em meio à hostilidade mútua, em algum momento os dois países terão de firmar um armistício em sua guerra comercial e encontrar uma forma de coexistência, ainda que sob a égide da rivalidade. E o primeiro passo nessa direção foi dado ontem, com o anúncio de acordo preliminar que deverá reduzir a tensão bilateral.

Entre os objetivos de Donald Trump com a imposição de tarifas sobre virtualmente todos os produtos importados da China estavam a redução drástica do gigantesco déficit comercial dos EUA e a transferência de fábricas americanas do país asiático para os Estados Unidos. Nenhum deles foi alcançado desde que o presidente americano disparou os primeiros petardos da guerra comercial, em meados de 2018.

No ano passado, o déficit comercial com a China cresceu e chegou ao patamar recorde de US$ 419 bilhões, quase metade do desequilíbrio total entre os EUA e o restante do mundo. Nos primeiros oito meses de 2019, o déficit com a China diminuiu US$ 32 bilhões na comparação com igual período do ano passado, para US$ 238 bilhões – uma parcela ínfima das exportações totais de US$ 2,2 trilhões do país asiático. Ao mesmo tempo, o déficit americano com todo o mundo atingiu US$ 578 bilhões, ou US$ 49 bilhões acima do patamar de 2018.

Em meio ao confronto com Washington, as autoridades de Pequim permitiram que a moeda chinesa, o yuan, se depreciasse a menos de 7,00 por US$ 1,00. 

O movimento deu impulso às exportações chinesas, que cresceram pouco mais de 6% no primeiro semestre de 2019, apesar da retração nos embarques para os Estados Unidos.

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A tentativa de usar tarifas para forçar empresas americanas a transferirem suas linhas de montagem para o país de seus quartéis-generais também não funcionou. No dia 23 de agosto, Trump usou o Twitter para ordenar corporações dos EUA a buscarem alternativas à China, “incluindo trazer suas companhias para casa e fazer seus produtos nos EUA”.

Pesquisa do U.S.-China Business Council divulgada no mesmo mês mostrou que pouquíssimos de seus membros estão dispostos a se retirar da segunda maior economia do mundo. Nada menos que 87% responderam que não pretendem mudar suas operações para outros países. Entre os que manifestaram essa intenção, só 3% mencionaram os EUA como destino.

Se no passado a China atraía investimentos externos como plataforma de exportação para o mundo, hoje o foco são os estimados 400 milhões de pessoas que ascenderam à classe média graças ao processo de reforma e abertura iniciado em 1978.

No levantamento do U.S.-China Business Council, 95% das empresas disseram que a razão para investir no país comunista é o acesso a seu mercado doméstico. 

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Cerca de metade das companhias declararam que também investem para usar a China como plataforma de exportação para os Estados Unidos e outros destinos.

A guerra comercial parece não ter afetado a performance geral das companhias americanas no país asiático. Na pesquisa, 97% responderam que suas operações na China são lucrativas, 12 pontos porcentuais acima dos 85% que disseram o mesmo em 2015, ano anterior à eleição de Trump. 

Fabricante do icônico iPhone, a Apple está entre as empresas que viram seu faturamento diminuir no país asiático, para US$ 32,5 bilhões nos nove meses terminados em junho, comparados a US$ 40,5 bilhões no período anterior. Mesmo com a queda, o valor supera as vendas totais da Coca-Cola em 2018, segundo a Fortune 500.

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A China continua a ser o segundo maior mercado para a Apple depois dos Estados Unidos. Além disso, a marca que está entre as mais valiosas do planeta criou no país asiático uma complexa estrutura de produção, que permite a exportação de milhões de iPhones a preços competitivos para o restante do mundo. O sucesso da Apple está intrinsecamente vinculado à eficiência de suas operações na China, e é pouco provável que a companhia consiga replicar o modelo em outro país.*PESQUISADORA NÃO RESIDENTE DO INSTITUTO DE POLÍTICA EXTERNA DA ESCOLA DE ESTUDOS INTERNACIONAIS AVANÇADOS DA UNIVERSIDADE JOHNS HOPKINS

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