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'DNA do governo Bolsonaro não é verdadeiramente liberal', diz ex-presidente do BC

Para Gustavo Loyola, saída de Salim Mattar e Paulo Uebel do Ministério da Economia é sinal de enfraquecimento de Guedes

Foto do author Aline Bronzati
Foto do author Thaís Barcellos
Por Aline Bronzati (Broadcast) e Thaís Barcellos (Broadcast)
Atualização:

As novas baixas na equipe econômica jogam luz sobre o fato de que o DNA do governo Bolsonaro não é "verdadeiramente" liberal, na opinião do ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria Integrada, Gustavo Loyola. Com a saída dos secretários Salim Mattar, de Desestatização, e Paulo Uebel, de Desburocratização, o Ministério da Economia já perdeu cinco integrantes em meio à pandemia, que alterou a situação fiscal do País e vem suscitando debates sobre o aumento permanente de gastos. 

Ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria Integrada, Gustavo Loyola. Foto: Felipe Rau/Estadão - 6/3/2017

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"A saída de ambos é um sinal ruim de enfraquecimento do Paulo Guedes. O grande temor no mercado é da saída do ministro da Economia, Paulo Guedes, e de uma interrupção das suas políticas econômicas", avalia Loyola, que é colunista da Rádio Eldorado.

Enquanto no cenário interno o Brasil segue imerso a questionamentos quanto à rigidez das contas públicas daqui para frente, no externo, Loyola vê prejuízos políticos ao País em uma possível vitória do candidato democrata, Joe Biden, em cima do rival Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos.

"O Brasil pode ficar em uma situação mais difícil politicamente", diz ele, para quem ideologia e diplomacia não deveriam se misturar. "Os interesses existem e têm de ser buscados independente de quem esteja ocupando a chefia executiva."

A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão/Broadcast.

Qual é a expectativa do senhor para os próximos passos da política monetária?

Como o BC destacou (na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária), há muitas incertezas no horizonte. Mas as expectativas de inflação estão ancoradas e não há no cenário pressões para 2020 e 2021. Mas também há riscos, com o BC mencionou, de estabilidade financeira, fiscais, continuidade de reformas. Minha visão é de estabilidade da Selic (a taxa básica de juros, que está em 2% ao ano). O BC não vai mexer tão cedo com a taxa, não acho que ele vai usar a janela que ele próprio abriu de pequena redução adicional. Só se houver um fato novo que tenha efeito negativo sobre a atividade.

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A equipe econômica teve mais duas baixas. O que representa essa debandada?

Acho negativo. A verdade é que está ficando claro que o DNA do presidente Bolsonaro não é verdadeiramente liberal. Eu acho que liberal no sentido econômico é o núcleo do Ministério da Economia e um ou outro integrante espalhado em algum ministério. O DNA de Bolsonaro ainda é bem no estilo desenvolvimentista. Outra questão é a de que a grande reforma dos ministérios feita por Bolsonaro causou uma série de problemas do ponto de vista de funcionamento da máquina pública. Tinha espaço para fazer mais. Não foi por culpa dos dois que saíram, mas pela própria estrutura do governo e da dificuldade do presidente Bolsonaro de abraçar essa agenda.

A saída de mais dois secretários aumenta a preocupação com a permanência de Guedes?

A saída de ambos é um sinal ruim porque parece um enfraquecimento do ministro da Economia. O grande temor no mercado é da saída de Guedes e de uma interrupção das suas políticas econômicas. Vale lembrar que o próprio ministro na terça-feira se referiu a pessoas do governo que querem, por exemplo, desrespeitar o próprio teto de gastos em um momento de situação fiscal bastante delicada. Isso gera dúvidas.

Quais?

Será que a política fiscal vai voltar ao normal no ano que vem e teremos austeridade? Ou entramos em um novo ritmo de crescimento de gastos e desarranjo fiscal? Vamos lembrar que esse desarranjo fiscal é que foi a ruína do governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

E quanto ao teto de gastos? É factível? Quais são os maiores riscos fiscais?

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O abandono do teto dos gastos seria desastroso e um péssimo sinal. Tem justificativa para o aumento temporário de gastos em 2020. Ninguém é cego à realidade. Agora, a gente tem de entrar em um regime de normalidade no ano que vem. Não dá para ficar criando furos no teto. Se um dia você diz que o teto pode ser excedido com gastos de infraestrutura, no outro dia, será educação, saúde. Sempre tem uma boa justificativa para aumentar gastos em um país que só tem carências em todos os lados. O Brasil é carente de tudo.

Qual a consequência de furar o teto?

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Vai passar claramente uma ideia de que nós podemos ter entrado numa trajetória insustentável da dívida pública. Se houver uma percepção de que isso pode ocorrer, a gente fica na antessala de uma crise econômica. Podemos ter fuga de capitais, aumento da inflação, uma série de desarranjos macroeconômicos. O aumento da incerteza resultante de tudo isso vai deprimir ainda mais o crescimento econômico. Vai ser um quadro dantesco não só para as contas públicas, mas para a economia.

Como o senhor avalia os sinais de retomada da economia brasileira?

No curtíssimo prazo, os indicadores têm surpreendido positivamente. Outro aspecto que temos visto é que os programas de transferência de renda do governo têm contribuído para manter a massa de renda, principalmente das famílias de menor renda. Isso contribui para uma menor queda do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre e, portanto, uma manutenção maior da atividade. A recuperação tem acontecido. Agora, qual o fôlego da recuperação é que nós não sabemos. De fato, depois de uma forte queda, a recuperação ocorre, mas e daí? A economia brasileira vai voltar a crescer? Tivemos três anos, de 2017 a 2019, com crescimento da ordem de 1% do PIB, que foi insuficiente para recuperar o que tínhamos antes da crise de 2015 e 2016.

Depois do fim desses auxílios do governo, o senhor acredita que a atividade econômica vai passar por uma ressaca?

Sim, porque estão ajudando a manter a renda. Mas a ressaca não será tão grande provavelmente porque, diante da incerteza, houve aumento de poupança das famílias em estratos da sociedade em que isso é possível que pode servir de colchão quando os auxílios acabarem. Mas o que a crise de 2015-2016 nos ensina é que a recuperação da economia depende da recuperação do emprego, principalmente dos formais. E, para tal, é preciso recuperar o investimento, que, por sua vez, depende de um quadro econômico mais previsível. Por isso é necessário não tolerar nenhum tipo de afrouxamento da política fiscal.

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O sr. assinou uma carta ao lado de outros ex-BCs e ex-ministros da Fazenda para alertar sobre a questão ambiental. Como o senhor vê a reação do governo Bolsonaro? É efetiva?

É muito cedo para avaliar. Infelizmente, o governo Bolsonaro não tem DNA ambientalista. Ao contrário, ele vem em tendências fortemente negacionistas. Mas a manifestação da sociedade e das instituições é importante porque limita os danos e, de alguma forma, mitiga um pouco a ausência do governo. O discurso do governo está menos estridente, mas eu ainda não me convenci de que o governo tenha adotado uma política ambiental responsável.

O candidato democrata Joe Biden aparece na frente de Donald Trump nas pesquisas e escolheu uma candidata a vice que já criticou Bolsonaro publicamente, dizendo que os EUA deveriam interromper negócios com o Brasil enquanto as queimadas na Amazônia não tivessem uma solução. Uma vitória de Biden terá qual impacto para o Brasil?

Entendo que as relações de países soberanos transcendem os governos do momento. O Brasil e os EUA têm relações que têm de ser preservadas. Da mesma forma que considero equivocada a posição do nosso chanceler (Ernesto Araújo) e do presidente Bolsonaro de tentar personalizar a relação com EUA pela amizade que supostamente têm com Trump, acho que seria equivocado os EUA, de alguma forma, personalizarem o relacionamento com o Brasil e ter postura que não reconheça a importância do Brasil e do comércio conosco. Principalmente considerando o contexto atual, em que há uma questão geopolítica importante entre EUA e China. De todo modo, a política ambiental dos EUA vai mudar se Biden for eleito. A saída dos EUA do Tratado do Clima deve ser reavaliada. Se a posição americana mudar, as políticas de apoio do Brasil vão ficar no ar. A vitória de Biden vai deixar claro os equívocos da política externa brasileira. Mas, no final, Brasil e EUA sempre vão ter relação de proximidade e interesses comum. Cada país tem seu interesse próprio, temos mais coisas que nos unem do que nos separam.

Em apoio a Trump, o governo brasileiro vem se indispondo com vários parceiros comerciais. Podemos ficar mais isolados?

O Brasil pode ficar em uma situação mais difícil politicamente. Mas não acredito que isso vá de alguma forma impactar as relações comerciais. A diplomacia, antes de tudo, é ditada pelo pragmatismo. Ideologia e diplomacia não deveriam ser misturar. Interesses existem e têm de ser buscados independentemente de quem esteja ocupando a chefia executiva. Vai ter algum prejuízo político ao Brasil. O Brasil vai perder o protagonismo político, o 'soft power' que sempre influenciou mais que o poder efetivo indicava. 

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