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Doha: erramos do começo ao fim

Por Alberto Tamer
Atualização:

Doha não morreu na terça-feira, não. Já estava morta, enterrada e havia informado que não aceitava visitas. Foi importunada por muito tempo pelos ministros que rodeavam seu túmulo, numa algazarra de discussões inúteis e irritantes, mas nem ligou. Até dava risadas...Agora, com esse fracasso mais que anunciado em Genebra, querem mumificá-la para expô-la em possíveis reuniões na próxima década. O ENTERRO DE 13 ANOS Quatro datas dividem as negociações sobre a falada liberalização do comércio agrícola: 1 - 1995, quando se aprovou a criação da OMC e se prometeu tratar do assunto mais tarde: 2 - 1999, quando a OMC entrou em operação: 3 - 2001, com a Rodada de Doha, que pretendia abrir novas perspectivas; 4 - 2008, com o fracasso de Doha. No fundo, a liberalização começou a morrer quando nasceu e viveu 13 anos de longa agonia. A única novidade dessa reunião de Genebra é que a China aderiu aos países do outro lado da mesa e passou a impor maior protecionismo para o seu mercado, inclusive o agrícola. Muito esperta, quer exportar mais e importar menos. AGORA, FOI ATÉ ENGRAÇADO Nesta ultima (será?) reunião aconteceu o máximo e foi até, diríamos, "engraçado". O Brasil e os agroexportadores entraram no encontro pedindo abertura do mercado dos mais ricos, os importadores, e o que encontraram foi a decisão firme dos EUA de exigir que nós, que exportamos produtos agrícolas, "abríssemos os nossos mercados industriais e, acreditem, o agrícola também! Eles até aceitam que exportemos mais agroprodutos, mas desde que eles possam exportar os seus também! Fomos pedir um pirulito e recebemos um abacaxi...azedo. ACORDO NA CRISE?! No fundo, eles têm todos os pretextos para dizer não. A economia americana e européia definha, a inflação aumenta e a crise financeira assusta. Por que cargas d''água iriam eles fazer concessões para ajudar exatamente nós, que estamos indo bem, e cortar os subsídios e a renda dos seus agricultores? Querem mesmo é embalsamar Doha e, quem sabe, mandá-la para o mausoléu do ridículo do Lenin. AS LIÇÕES PARA O BRASIL Há lições importantes para nós, mas, primeiro, uma crítica severo ao Itamaraty e ao ministro Celso Amorim. Ele foi o único que, fugindo à realidade e agredindo a evidência, acreditou em Doha. Devem ter dado muita risada da nossa diplomacia comercial em Bruxelas e Washington. Afinal, pragmáticos, eles blá-blá-blavam na OMC, mas, ao mesmo tempo, negociavam e fechavam acordos bilaterais com outros países. Só nós, os sabidos, não. Não fizemos absolutamente nada. Ficamos chupando o dedo, esperando a Doha que nunca vinha. O MINISTRO FOI PATÉTICO Depois, ele veio de novo com a história dos acordos bilaterais, quando já havia prometido solenemente que esse seria o ano dos bilaterais, mas não fez nada. Só salvou aquela proposta sonhadora de ceder num acordo em troca do etanol. Levou um categórico não da França, que veta qualquer abertura do seu mercado agrícola e tem outras condições para o nosso etanol. E agora o Itamaraty fala em entrar ação na OMC contra o subsídio americano ao seu etanol de milho que, na prática, mesmo, não vai dar em nada, como todos os outros. Com a OMC ou sem ela, com Cristo ou sem Cristo, os EUA não vão abdicar da independência do seu etanol de milho, mesmo que lhes custem os olhos da cara. Só que as tramitações na OMC vão durar anos antes que venhamos a saber disso. É... AGORA? AGORA, ORA BOLAS! Ora, o nosso ministro vem com mais uma: ele confessa que "a OMC era a prioridade, pois somente ali poderíamos tratar de subsídios". E, então, o que o senhor pretende fazer? - pergunta o correspondente do Estado em Genebra, Jamil Chade. E sabem qual foi a fantástica resposta? Vejam só: "Agora vamos ter que nos concentrar em coisas que dão resultado." É verdade, está lá, gravado! O que assusta é por que não fizemos como os nossos opositores americanos e europeus, que negociaram com outros países isolados "coisas que dão resultado". Ficamos nos enrolando nas malhas de Doha. Só ingenuidade? Será? E, para concluir com "chave de ouro", o Itamaraty fala agora em uma nova política de diplomacia comercial, aquela que dá resultado. Mas "nova" como, se não temos e nunca tivemos uma? Afinal, em meio a uma barafunda de órgãos, quem responde pelo comércio exterior brasileiro? E O QUE FAZER? Agora, é esquecer Doha, corrigir as inacreditáveis trapalhadas diplomáticas e o governo ver o que os empresários precisam produzir para atender ao mercado interno e exportar mais. Mas isso com agressividade e urgência, porque os preços das commodities agrícolas começam a estabilizar-se e são eles que estão salvando. É preciso dar um basta aos erros infantis, senhores de Brasília. Será que já não chegou a hora de acertar um pouco? Não muito, não, um pouquinho só? Dá? Ou vamos continuar como na Bíblia, mais sete anos esperando sem saber o quê? *E-mail: at@attgbal.net

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