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Dois pesos, uma medida

Os efeitos negativos da não aprovação da reforma da Previdência são maiores que os benefícios da aprovação

Por Luis Eduardo Assis
Atualização:

A proposta de reforma da Previdência é ousada, ampla e coerente. A questão, agora, é convencer os parlamentares. É natural que o governo deseje sublinhar as diferenças entre os cenários econômicos derivados da aprovação ou rejeição da reforma. Se o projeto for aprovado, diz a lenda, estaremos no limiar de uma nova era de esplendores, com taxas altas de crescimento e queda avassaladora do desemprego. Será nossa redenção, ainda que tardia. Ao contrário, sua reprovação – ou a aprovação de uma versão desfigurada – nos condenará no mesmo instante à danação eterna. Ao fogo dos infernos.

O presidente Jair Bolsonaro levou pessoalmente a proposta da PEC da Previdência para a Câmara Federal Foto: Luis Macedo/Agência Câmara

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Não é bem assim. A ideia de que o País será assolado por uma súbita avalanche de novos investimentos é enganosa. É fantasia de economista acreditar que o “board” de alguma empresa leve em grande consideração, ao decidir pela ampliação da capacidade instalada, as estimativas – sempre muito inexatas – do déficit público ou da relação dívida/PIB para os próximos dez anos. A questão essencial para os novos investimentos é se eles serão rentáveis ou não, ou seja, se haverá demanda para aquela produção adicional a preços que remunerem os recursos aplicados. Lembre-se de que há enorme capacidade ociosa atualmente na economia brasileira, mesmo levando em conta que essa estatística perde significado em tempos nos quais o avanço da tecnologia significa flexibilidade da estrutura produtiva.

A aprovação de uma nova Previdência deve eliminar uma das incertezas que travam os investimentos, mas daí não decorre que eles se descolem do comportamento do consumo. E aqui a coisa pega. O consumo depende, em grande medida, do comportamento do desemprego, que não traz boas notícias. O número de desempregados no trimestre terminado em janeiro subiu para 12,7 milhões, depois de nove meses de queda. Voltamos ao patamar de um ano atrás. O crescimento anualizado do volume de vendas do varejo estava acelerando e bateu 3,8% em março do ano passado, o maior índice desde julho de 2014. Mas perdeu fôlego e fechou o ano com apenas 2,3%. Este é o drama: a recuperação que vivemos em 2018 está se esvaindo. Crescemos a taxas decrescentes. O PIB, que aumentou 1,4% em junho, fechou o ano com 1,1%. Ganhar novamente altitude exigirá muito mais que a aprovação de reforma da Previdência.

Os efeitos negativos da não aprovação da reforma da Previdência são maiores que os benefícios de sua aprovação. Nota recente do Ministério da Fazenda alerta que a contínua deterioração fiscal levará à alta de juros, já que, “de forma similar ao que acontece com as famílias”, o maior risco do devedor, o Tesouro, induz os poupadores a cobrarem mais pelos empréstimos. A analogia peca por sua simplicidade. Já vimos em outros episódios que, a curto prazo, o governo determina unilateralmente as taxas de juros que quer pagar.

Mas não sem efeitos colaterais. A turbulência que se seguirá à rejeição da reforma certamente trará consequências sobre a taxa de câmbio e, mais adiante, sobre a inflação, a partir dos preços dos produtos comercializáveis. Juros mais altos, na tentativa de conter a aceleração dos preços, criarão novos obstáculos ao crescimento, com o que a arrecadação de impostos cairá, agravando ainda mais o déficit das contas públicas. Não será a morte instantânea, mas o acirramento de uma agonia que, medida pelo desemprego, já parece excruciante.

O governo deveria refletir sobre as consequências do fracasso de sua agenda econômica e organizar sua atuação no Congresso, onde parece mais desorientado que galinha na rodoviária. Há pouco tempo para aprender a negociar, ceder, conceder e avançar. O fiasco da reforma da Previdência conduzirá a uma nova crise política. *ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DA PUC-SP E DA FGV-SP. E-MAIL: LUISEDUARDOASSIS@GMAIL.COM

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