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Domésticas estão no grupo dos mais atingidos pela crise econômica da pandemia

Cerca de 1,2 milhão de pessoas perderam o emprego nessa atividade em 2020, segundo o IBGE

Por Vinicius Neder e Daniela Amorim (Broadcast)
Atualização:

Há um ano, na tentativa de conter a pandemia, o País parou. As famílias de renda média e alta, que puderam ficaram em casa, usar o comércio eletrônico e lançar mão das entregas a domicílio dos restaurantes, também mudaram suas combinações com as empregadas domésticas. Como resultado, as domésticas estão entre os trabalhadores mais atingidos pela crise da covid-19.

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Ao longo de 2020, 1,2 milhão de pessoas perderam o emprego nessa atividade, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essas demissões equivalem a 16% do total de vagas fechadas ano passado, entre formais e informais. A piora da pandemia pode ser um obstáculo para a recolocação desse pessoal. É mais uma fonte de aumento da pobreza, principalmente entre as famílias lideradas por mulheres, em mais um exemplo de como elas são mais atingidas pela pandemia do que os homens.

A adaptação ao “novo normal” da covid-19 passou por vários arranjos. Houve famílias que seguiram pagando salários normalmente, mesmo sem os serviços prestados. Nas relações formais, com carteira assinada, foi possível dar férias, suspender contratos e reduzir jornadas - e essas trabalhadoras perderam alguma renda. Nas relações sem carteira, incluindo diaristas e as domésticas mensalistas em situação ilegal, foi mais difícil ficar apenas na redução do salário. Em todos os casos, não faltaram demissões.

A empregada doméstica Eliana Maria de Moura encontra dificuldades de se recolocar no mercado de trabalho Foto: Marcelo Chello/Estadão

“No primeiro mês de pandemia, ano passado, a categoria já começou a sofrer. Os empregadores já foram mandando ficar em casa, liberando sem uma resposta do que ia ser o futuro para elas”, afirma Janaína Mariano de Souza, presidente do Sindoméstica, sindicato das domésticas de São Paulo.

Em casa, as domésticas com carteira assinada que mantiveram o vínculo seguiram consideradas ocupadas nas pesquisas do IBGE, que seguem padrões internacionais. Só que três quartos dos trabalhadores domésticos do País não têm carteira, ou seja, são diaristas ou trabalham em situação irregular. Tanto num caso quanto no outro, as trabalhadoras que ficaram em casa na pandemia perderam a ocupação, formando, com as domésticas formalmente demitidas, a fila dos 1,2 milhão de vagas fechadas em 2020.

As trabalhadoras que perderam o emprego encontraram no auxílio emergencial alguma ajuda para sobreviver, mas o valor da transferência de renda foi reduzido - de R$ 600 para R$ 300 ao mês - a partir de setembro até a última parcela, em dezembro. Segundo Janaína, o Sindoméstica centralizou doações de cestas básicas por instituições beneficentes e organizou a entrega para domésticas que tiveram dificuldades.

Luana Pinheiro, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que estuda o trabalho doméstico, lembra que a falta de vínculo empregatício deixa essas trabalhadoras mais vulneráveis e facilita as demissões. O recrudescimento da pandemia e o aperto na renda das famílias que contratam os serviços deverão dificultar a retomada das vagas perdidas.

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“Aquelas que ainda permaneceram ocupadas na pandemia, que não perderam o emprego, dois terços delas tiveram acesso ao auxílio emergencial. É muita gente. Elas estavam, mesmo ainda ocupadas, em situação de muita precariedade. As que trabalhavam em faxina cinco ou seis dias na semana passaram a ter um ou dois dias”, diz Pinheiro.

A piora da pandemia agrava o quadro. O Sindoméstica, sindicato das domésticas de São Paulo, percebeu aumento das demissões formais neste início de ano. Foi o que aconteceu com Eliana Maria de Moura, de 36 anos, demitida em meados do mês passado, após quase um ano de isolamento, passando a maior parte do tempo em casa. No fim do ano, passou pelo trauma de perder a mãe, vítima da covid-19.

“Graças a deus meus patrões seguraram por quase um ano. Sou muito grata a eles”, diz Eliana, que recebeu o salário integral de R$ 1,4 mil o tempo todo, mesmo reduzindo a jornada. Durante a pandemia, ela ia trabalhar uma vez por semana, ou a cada quinzena, em função da demanda da família. Na demissão, os patrões alegaram que não estava conseguindo manter o pagamento, conta Eliana.

O emprego doméstico é predominantemente feminino (92,3% dos trabalhadores são mulheres), informal e de rendimentos mais baixos, define Adriana Beringuy, pesquisadora do IBGE: “É uma atividade de serviços e que envolve contato muito próximo dentro do domicílio das pessoas. A maioria dos trabalhadores domésticos usa transporte coletivo, que tem sido apontado como um dos instrumentos grandes de disseminação de covid-19. Isso pode ter feito com que as famílias que usam o serviço abrissem mão dele”.

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Para a economista Hildete Pereira de Melo, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em relações de gênero no mercado de trabalho, o emprego doméstico não voltará “ao normal” tão cedo. Além da restrição de renda das famílias de classe média e alta, a demora do governo para reeditar o auxílio emergencial e a perda de fôlego da retomada da economia, as necessidades “empurram” as mulheres para o trabalho doméstico, que muitas vezes serve como “bico” ou última opção de ocupação quando elas perdem o emprego em outras atividades.

Isso já vinha ocorrendo antes da pandemia. Com a economia estagnada, o contingente de trabalhadores domésticos atingiu, na virada de 2019 para 2020, o recorde na série histórica do IBGE, iniciada em 2012. Com mais trabalhadores oferecendo o serviço e a demanda incerta, a remuneração fica pressionada para baixo. O salário médio de um empregado doméstico sem carteira foi de R$ 758 em dezembro passado, enquanto o trabalhador doméstico com carteira assinada recebia R$ 1.286.

“Vagas alternativas ao trabalho doméstico dependem da recuperação da economia. A trabalhadora pode se ver entre trabalhar como doméstica ou mendigar”, afirmou Hildete, professora da UFF.

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Em parte, essa é a realidade da doméstica Eliana, que chefia sozinha o lar, onde mora com as duas filhas, de 17 e 10 anos, no Jardim Ângela, zona sul da capital paulista. Só os gastos com moradia, incluindo aluguel, luz e demais contas, consomem R$ 1 mil por mês, sem contar alimentação. Sem o salário, Eliana vai pedir o seguro-desemprego e sacar o FGTS, mas está em busca que qualquer tipo de emprego, até mesmo “catar latinha”.

“O emprego que aparecer, não tenho preguiça. Vou encarar qualquer coisa”, diz a doméstica, para então acrescentar que não está fácil conseguir emprego na sua área. “Está difícil arrumar emprego como doméstica. As famílias não querem, acham que a gente vai passar pra eles a covid-19, mas são eles que estão passando para a gente”, completa.

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