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... e como consertar um mundo quebrado

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Por Redação
Atualização:

Henry Paulson deve ter motivos para fazer o que fez. Não há dúvida de que ele ainda acredita que estaríamos numa situação pior do que a atual sem toda essa atividade frenética. Entretanto, tudo o que sabemos ao certo é que as negociações heroicas do do Tesouro tiveram pouco efeito sobre aquilo que é apontado pelo departamento como o problema principal: o colapso da credibilidade depositada nas empresas que estão no topo do nosso sistema financeiro. Semanas depois de receber o seu primeiro investimento no valor de US$ 25 bilhões do contribuinte, o Citigroup voltou a procurar o Tesouro para confessar que - inacreditável! - os mercados ainda não acreditavam que o Citigroup sobreviveria. Em resposta, no dia 24 de novembro, o Tesouro entregou ao Citigroup outros US$ 20 bilhões do Programa de Alívio para Ativos Problemáticos (Tarp, em inglês) e, então, simplesmente garantiu US$ 306 bilhões em ativos do Citigroup. O Tesouro não pediu pela sua parcela no negócio nem por mudanças na administração. Na verdade foram pedidas apenas uma pitada de garantias e uma fatia ínfima de ações preferenciais. A garantia de US$ 306 bilhões foi um presente franco. O Tesouro nem mesmo se incomodou em explicar qual era a crise, afirmando apenas que a medida foi tomada em resposta à "queda no valor das ações" do Citigroup. US$ 300 bilhões ainda são muito dinheiro. Essa cifra representa quase 2% do PIB americano e equivale aos gastos anuais do país com os departamentos da Agricultura, Educação, Energia, Segurança Doméstica, Moradia e Desenvolvimento Urbano, somados. Se Paulson tivesse executado seu plano inicial, comprando os ativos problemáticos do Citigroup a preço de mercado, isso teria limitado nossa exposição, pois o dinheiro teria dificultado a liberação dos US$ 700 bilhões entregues a Paulson para resolver o problema. Em vez disso, ele se atribuiu, na verdade, o poder de liberar quantias ilimitadas de dinheiro, sem a supervisão do Congresso. Agora nós nem sequer sabemos qual a natureza dos ativos garantidos pelo Tesouro. Dentro das regras do Tarp, essa informação seria revelada. Há outras opções que o Tesouro poderia empregar quando uma grande empresa financeira considerada "grande demais para falir" viesse pedir dinheiro de graça. Eis aqui uma sugestão: deixá-la falir. Mas não de maneira tão caótica quanto foi a falência do Lehman Brothers. Se uma empresa falida é considerada "grande demais" para ter essa honra, então ela deveria ser nacionalizada explicitamente, tanto para limitar o seu efeito sobre outras empresas quanto para proteger as entranhas do sistema. Os seus acionistas deveriam ser liquidados e a sua administração deveria ser substituída. Suas partes valiosas deveriam ser revendidas como empresas operantes para quem fizesse a maior oferta - talvez para algum banco que não tenha sido arrastado pela bolha do crédito. O restante deveria ser liquidado, em mercados calmos. Se isso for feito, a dor vai passar para todos, a não ser para aquelas empresas que inventaram o problema todo. Isso é mais plausível do que parece. A Suécia, por incrível que pareça, obteve sucesso numa empreitada parecida em 1992. E vale lembrar que o Federal Reserve e o Tesouro já aceitaram, em nome do contribuinte, praticamente todo o lado negativo de serem donos das maiores dentre as empresas financeiras. O Tesouro e o Fed certamente argumentariam que, se esses bancos não recebessem ajuda, correríamos o risco de enfrentar uma contração de crédito ainda pior - se esses bancos não estiverem no mercado, quem restará para emprestar dinheiro? Mas a verdade parece ser algo como o contrário disso: a ajuda aos bancos falidos tornou a economia pior para as pessoas e empresas que nada tiveram a ver com a criação da confusão toda. Empresas perfeitamente solventes estão sendo levadas à falência pelos seus credores precisamente por não estarem protegidas pelo Tesouro. Com tantos empréstimos efetivamente garantidos pelo governo, os credores estão fugindo de qualquer coisa que não tenha recebido a mesma garantia. Ao invés de combater a raiz do problema, aqueles que estão administrando o resgate querem desesperadamente inflar outra vez a bolha de crédito, proteger o mercado de ações e afastar a recessão. Seus esforços estão, obviamente, fracassando: 2008 foi um ano histórico para o mercado de ações devido às perdas e estaremos mergulhados numa recessão por algum tempo. Nossos líderes classificaram o problema de "crise de confiança", mas o que eles aparentemente querem dizer é "por favor, não repare nos problemas que não estamos resolvendo". Na sua mais recente tentativa de extorquir confiança, por exemplo, as autoridades estão depositando imensa pressão sobre o Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira para que suspenda a contabilidade de reajuste a preço de mercado. Basicamente, isso significa que os bancos não terão de responder pelos valores reais dos ativos nos seus registros, podendo, em vez disso, afirmar que eles valem seja qual for o preço que tenha sido pago por eles. Isso terá o efeito duplo de reduzir a transparência e aumentar o autoengano (empanturre-se o quanto quiser durante meses, mas se recuse a subir numa balança e, quem sabe, ninguém perceba que você engordou). E ninguém vai cair nessa. Quando as pessoas são tratadas aos gritos de "confie!", a única coisa que se pode esperar delas é que entrem em pânico. Se vamos gastar trilhões de dólares do dinheiro do contribuinte, faz mais sentido concentrar-se nos indivíduos da base do sistema financeiro do que nas instituições falidas que ocupam o seu topo. Em vez de comprar ativos suspeitos e garantir negócios que jamais deveriam ter sido fechados, devíamos usar nosso dinheiro para: A) Consertar a rede de segurança social, agora arruinada de uma maneira que faria pessoas perfeitamente razoáveis entrar em pânico; e B) Transformar o resgate dos bancos num resgate dos donos de casas próprias. Devemos começar rompendo o ciclo de deterioração no valor das moradias e das execuções hipotecárias resultantes. Muitos proprietários percebem que não faz sentido pagar prestações de uma hipoteca cujo valor excede o das próprias casas. Cerca de 20 milhões de famílias enfrentam a decisão de pagar ou entregar as chaves do imóvel. O congresso parece ter compreendido o problema. E é por isso que no ano passado foi criado pela Autoridade Federal da Habitação um programa para a emissão de novos empréstimos do governo para os proprietários de imóveis com base no valor atualizado das suas casas. E ainda assim, o programa batizado de Hope Now (esperança agora) parece ter se tornado mais um excelente exemplo da infeliz influência política exercida por Wall Street. Da maneira com que o programa está estruturado atualmente, os bancos precisam dar início a qualquer novo empréstimo; e eles não querem fazê-lo porque isso os obrigaria a reconhecer uma perda imediata. Preferem "trabalhar com os devedores", em busca de modificações nos termos dos empréstimos e planos de pagamento, o que representa menos problemas contábeis e de rendimentos, mas não resolve a questão, prolongando assim a solução dos temas subjacentes. Parece que o lobby dos banqueiros também inseriu, de alguma maneira, o ambíguo requerimento de que os proprietários de imóveis tenham de pagar na sua totalidade os empréstimos hipotecários antes de poder usufruir do programa. O resultado é que pouquíssimos empréstimos serão feitos através do Hope Now. Isso pode ser remediado. O Congresso pode conferir aos proprietários de imóveis aceitos pelo programa a capacidade de receber novos empréstimos do governo com base no valor atualizado sem exigir o consentimento dos bancos. Há também um punhado de mudanças absolutamente óbvias, que deveriam ser feitas no sistema financeiro para evitar que aconteça novamente alguma versão do que acaba de acontecer. Eis aqui uma pequena lista: Não tomar decisões regulatórias de grande impacto no longo prazo com base no seu efeito no curto prazo sobre o valor das ações. O valor das ações sobe e desce: deixe-o oscilar. Um número absurdo de crises oficiais foi negociado e resolvido durante o fim de semana de maneira que fossem apresentadas como fait accompli "antes da abertura dos mercados asiáticos". A política de decisões apressadas tomadas de crise em crise não tem coerência pelo motivo óbvio de ser movida pelo desejo de agradar ao mercado de ações. O Tesouro, o Fed e a Comissão de Valores Mobiliários (SEC, em inglês) parecem enxergar a valorização das ações como parte crítica da sua missão - de fato, o Fed muitas vezes parece mais preocupado com os movimentos diários do mercado do que o operador médio de Wall Street. Se as medidas forem sólidas, o mercado de ações aprenderá a cuidar de si mesmo. Pôr fim ao status oficial das agências de classificação de risco. Levando-se em consideração o seu desempenho, é difícil de acreditar que as agências de classificação de risco ainda existam. Não resta dúvida de que o mundo ficou pior com a existência de empresas como a Moody?s e a Standard & Poor?s. Deve haver uma regra que impeça a remuneração das agências de classificação de risco por parte dos emissores dos produtos avaliados. Os investidores deveriam pagar pela avaliação em caráter particular ou, se for considerado que a avaliação pública é essencial, esta deve ser fornecida pelo poder público. Regular os swaps de default de crédito. Hoje, há dezenas de trilhões de dólares envolvidos nesses contratos entre grandes empresas financeiras. Uma imensa parcela das coisas ruins que aconteceram com o sistema financeiro ocorreu porque isso nunca foi explicado numa linguagem simples e direta. Os inovadores financeiros foram capazes de criar novos produtos e mercados sem que qualquer pessoa pensasse muito nas suas consequências financeiras mais amplas - e sem que os reguladores soubessem muito a respeito deles. A transparência dos mercados financeiros é desimportante se ninguém é capaz de compreender o que está contido neles. Até pouquíssimo tempo atrás, as empresas não eram sequer obrigadas a oferecer informações superficiais acerca dos swaps de default de crédito nas suas demonstrações financeiras. Pode ser que os swaps de default de crédito não sejam a principal prova contra a complexidade financeira, mas são uma evidência útil. Seja o que for, na teoria, um default de crédito, na prática eles se tornaram basicamente apostas paralelas na inadimplência de alguma empresa, ou título lastreado em hipoteca subprime, ou municipalidade, ou mesmo do governo dos Estados Unidos. Impor novas exigências de capital aos bancos. O novo padrão internacional adotado pelos bancos americanos é conhecido no ramo como Basel II. O Basel II se baseia na crença de que os bancos trabalham melhor do que os reguladores na avaliação do próprio risco - porque são os bancos os mais interessados em não falir. Ainda em 2004, a SEC implementou sua própria versão desse padrão para os bancos de investimento. Sabemos agora qual foi o resultado disso. Uma ideia melhor seria exigir dos bancos que mantivessem menos capital durante períodos ruins e mais capital durante os períodos de prosperidade. Agora que vimos como se comportam as instituições consideradas grandes demais para falir, ficou claro que livrá-las de exigências rigorosas não é o melhor caminho a ser seguido. Outra boa solução para o problema das empresas consideradas grandes demais para falir é repartir qualquer instituição que se torne grande demais para falir. Fechar a porta giratória entre a SEC e Wall Street. A cada esquina acabamos voltando à imensa barreira que precisamos reformar: a influência política de Wall Street. A sua influência sobre a SEC é reforçada pela sua habilidade de enriquecer as pessoas que trabalham na Comissão de Valores Mobiliários. Em termos realistas, não há muito que possa ser feito para remediar o problema, mas há uma medida óbvia: proibir os reguladores, durante um período significativo, de aceitar empregos bem remunerados nas empresas de Wall Street. Manter a porta aberta no sentido oposto. Se a SEC espera restaurar a credibilidade como agência de proteção ao investidor, deveria contar com experientes e respeitados investidores (o que é diferente de banqueiros de investimento) como seus membros. O presidente eleito, Barack Obama, deveria nomear para a comissão ao menos uma pessoa com carreira notável no investimento de capitais e outra com experiência na investigação de irregularidades corporativas. O curioso é que o trabalho mais fundamental, o de chefe de implementação de diretrizes, tem agora um candidato perfeito, um investidor de mentalidade cívica que experimentou em primeira mão a inépcia da SEC: Harry Markopolos. O engraçado é que não há nada de radical a respeito da maioria dessas mudanças. Uma pessoa desinteressada provavelmente se perguntaria por que muitas delas não foram implementadas há tempos. Já um comitê de indivíduos cujos interesses financeiros de alguma maneira estão atrelados a Wall Street poderia reagir de outra maneira.

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