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"É difícil ser otimista em relação ao Brasil no curto prazo"

Para economista, novo governo tem uma boa retórica, mas ainda é preciso ver se será capaz de implementá-la

Por Cláudia Trevisan
Atualização:

A decisão da maioria dos eleitores do Reino Unido de abandonar a União Europeia reflete um movimento de antiglobalização alimentado por pessoas que foram deixadas para trás pela tecnologia e pelos processos de integração, diz o economista Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley. “Há uma tendência de colocar a culpa por isso nos imigrantes, na China e – de maneira mais apropriada agora – nos próprios governos”, diz, em entrevista por e-mail. Em sua opinião, o resultado do referendo britânico e a emergência da candidatura de Donald Trump nos EUA são indicação de que os eleitores de 2016 estão mais dispostos a votar de acordo com seus instintos do que de seus interesses econômicos individuais. Eichengreen, autor do livro Hall of Mirrors, no qual compara a Grande Depressão dos anos 30 com a Grande Recessão iniciada em 2008, afirma que há poucas razões para ser otimista em relação ao Brasil no curto prazo. Em sua opinião, o melhor caminho para a saída da crise é a realização de reformas estruturais. A seguir, os principais trechos da entrevista: A vitória do ‘Brexit’ mostra a força de um sentimento antiglobalização que não é restrito ao Reino Unido e que é representado nos EUA por Donald Trump. O que está na origem desse movimento? Trabalhadores pouco qualificados foram deixados para trás pela tecnologia e a globalização e receberam pouca ajuda de seus governos em termos de treinamento, por exemplo. Há uma tendência de colocar a culpa por isso nos imigrantes, na China e – de maneira mais apropriada agora – nos próprios governos. Qual o potencial impacto econômico da expansão desse sentimento antiglobalização? Ele ofuscará as perspectivas de empresas e trabalhadores que estão vinculados ao engajamento internacional, ao comércio e investimentos externos. Isso é diferente de dizer que a perspectiva é negativa para todo mundo em todos os lugares. O impacto será seletivo em seus aspectos mais negativos. A extensão do impacto negativo dependerá da resposta dos responsáveis por políticas públicas. Nós ainda temos de ver qual será a resposta dos bancos centrais, dos governos e da União Europeia ao Brexit. O Brexit poderá influenciar as eleições americanas e fortalecer a candidatura de Donald Trump? Isso dependerá do resultado econômico do Brexit. Se a libra esterlina e o mercado acionário de Londres despencarem, isso claramente não ajudará Trump. Se os efeitos forem benignos, ele poderá ser favorecido. Além disso, o Brexit sugere que, em 2016, as pessoas estão mais inclinadas a votar de acordo com seus instintos do que com seu bolso. Isso não dá força a Trump, mas sugere que o apelo ao instinto, em oposição ao interesse econômico individual – que é o que Trump oferece – pode ter mais ressonância junto aos eleitores.  Qual seria o impacto da proposta de Trump de impor tarifas de até 45% sobre importações da China e do México, deportar imigrantes e construir um muro na fronteira com o México? O impacto sobre os mercados e a economia dos EUA seria fortemente negativo, mas quão negativo vai depender de como a China e o México reagiriam. O fato é que o presidente sozinho não tem poder para fazer essas coisas, que dependem em grande parte da composição do Congresso. Vejo esses cenários como extremamente improváveis, como “ficção científica social”. Continuo a pensar assim mesmo após o Brexit. Mas talvez tenhamos de reavaliar nossas posições. O crescimento dos EUA neste ano deve ficar um pouco acima de 2%, reforçando o argumento de economistas que veem o país mergulhado em uma estagnação secular (longo período de baixo crescimento acompanhado de juros e inflação baixos). Eles estão certos no diagnóstico? Temos um problema sério e crônico de baixo crescimento da produtividade nos EUA. Os analistas diferem na tentativa de entender e explicar esse fenômeno. Isso ocorre porque todas as grandes invenções já foram feitas? Eu não acredito nisso. É porque é necessário um período considerável de tempo para a produtividade reagir à introdução de novas tecnologias? Pode ser. É porque não estamos investindo o suficiente em fábricas, equipamentos, pesquisa e educação? Definitivamente. Mesmo com baixo crescimento, a economia americana está melhor do que no passado e o desemprego está abaixo de 5%. Ainda assim há um elevado grau de insatisfação com a situação atual. Por quê? Porque os ganhos não foram distribuídos de maneira generalizada. A grande maioria dos ganhos de renda no período posterior à crise – e de maneira mais geral da última geração – ocorreu no 1% que está no topo da pirâmide de distribuição de riqueza. A situação é semelhante em relação ao emprego. O índice de desemprego pode estar baixo, mas um grande número de pessoas saiu da força de trabalho durante a crise e ainda são consideradas como não participantes, em vez de desempregadas. A mobilidade econômica também está em declínio, de acordo com várias estimativas, o que não ajuda. Isso faz com que muitas pessoas sintam que foram deixadas para trás. Há anos economistas alertam para supostos riscos associados a investimentos e crédito excessivos na China, mas até agora o país foi capaz de evitar um desastre. Nós vamos ver um pouso forçado da China em algum momento ou eles conseguirão fazer a transição para um novo modelo de desenvolvimento?  Como Zhou Enlai supostamente disse durante a Revolução Francesa, é muito cedo para dizer. A China ainda tem uma economia bastante controlada e faz sentido apostar em um pouso suave, na ideia de que as autoridades terão poder suficiente para controlar o ritmo de desaceleração. Mas o crescente problema de endividamento das corporações, que cria o espectro de bancos zumbis emprestando para empresas zumbis, também aumenta a probabilidade de uma acentuada queda no ritmo de crescimento da produtividade, algo sobre o qual as autoridades não têm controle direto. É por isso que muitos de nós acreditamos que assegurar um pouso suave e a transição a um novo modelo de crescimento demanda que as autoridades chinesas se movam rapidamente para resolver o problema da dívida das corporações. E não há nenhum sinal de que eles estejam fazendo isso. O novo governo brasileiro tem ressaltado a importância do comércio internacional e da integração do País a cadeias de produção globais para estimular o crescimento econômico. Diante da emergente retórica antiglobalização, o Brasil chegou a uma festa que já acabou?<CW1> O Brasil tem um problema de mercados excessivamente regulados, empresas estatais ineficientes e competição inadequada entre diferentes setores. Abrir a economia ao comércio internacional e a cadeias globais de produção é um dos caminhos para enfrentar esses problemas. O melhor seria que as autoridades brasileiras lidassem com essas questões de maneira direta, por meio de reformas estruturais em casa. Depender do comércio para obter esses resultados pode ser menos eficiente agora do que no passado, se de fato o crescimento do comércio global estiver diminuindo. A nova equipe econômica propôs a adoção de limites ao crescimento dos gastos públicos. Esse é um caminho adequado? Quão dolorosa será a saída da crise? Será dolorosa, mas o Brasil não tem escolha. O que complica a situação é o fato de a inflação continuar razoavelmente alta. Em tese, o Banco Central poderia compensar ao menos em parte o corte em gastos público com o corte na taxa de juros, mas não há espaço para isso no caso brasileiro. Isso significa que é difícil ser otimista em relação ao Brasil no curto prazo. No longo prazo, tudo depende de reformas estruturais. O novo governo tem uma boa retórica, mas ainda temos de ver se será capaz de implementá-la. A fragmentação do sistema político brasileiro torna difícil ser otimista. Mas o Brasil sempre foi o país do futuro. E continua a ser.

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