“A floresta sou eu.” Assim começa o belo texto de Arthur Nestrovski, diretor artístico da Orquestra Sinfônica de São Paulo, sobre o programa que a Osesp apresentou esta semana na Sala São Paulo. Arthur se refere ao que poderia ter sido uma afirmação de Heitor Villa Lobos, o grande protagonista da noite. Sob a regência de uma quase brasileira Marin Alsop, as obras de Villa-Lobos se intercalaram com as de outros seis compositores, exaltando a natureza brasileira, tão emblemática e poderosa. Além da emoção da sala novamente lotada, após quase dois anos de restrições, a casa da Osesp teve sua exuberância ainda mais destacada por feixes de luzes verde e azul, numa iluminação que a travestia de floresta. Quem lá esteve sentiu e viveu o Brasil cultural pulsante. Resilientemente pulsante.
O programa da Osesp não poderia ser mais oportuno. Pássaros, água, floresta, num desfile de sentidos e emoções trazidas por Villa-Lobos, Clarice Assad, Philip Glass, Tom Jobim, Almeida Prado, Guimarães e Krieger, coroando uma alma brasileira exposta em exaltação à grandiosidade da nossa natureza. Águas, orixás, boto e passarim, tudo junto num contínuo de rasgar o coração. Todas elas, obras emocionantes que desfilaram até a apoteose de uma temporada por meio da orquestra que viveu meses de plateia majoritariamente distante e que tanto exigiram de capacidade de adaptação dos músicos, de investimento e de excelência em gestão.
Infeliz coincidência, foi nesta mesma semana da Floresta de Villa-Lobos que novos dados recordes de desmatamento da Amazônia vieram à tona. Foram 877 km² de devastação da floresta, 5% a mais do que em outubro de 2020 e o maior índice no mês em toda a série histórica do Deter, sistema de alertas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ( INPE), que registra dados desde 2016. Os estados do Pará (que registra 57% do total), além do Amazonas e de Mato Grosso, com respectivamente 13% e 12%, destacam-se nessa triste estatística.
Foi também nesta semana que se encerrou a Conferência do Clima em Glasgow, na Escócia. Foi lá na COP26 que um governo brasileiro envergonhado se comprometeu a zerar o desmate ilegal até 2028 e reduzir as emissões de metano. Assistir à Floresta de Villa da Osesp neste momento pareceu um sonho. Ao mesmo tempo que nos emociona e nos mostra o quanto somos e podemos como país, escancara o contraste entre o que é real e o que é possível. É hora de começar a cumprir os acordos assinados e de garantir que colocamos o Brasil em outra trilha. Na cultura e no meio ambiente.
* ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA