O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, não está sozinho quando reconhece que a inflação o “surpreendeu”. No mundo inteiro, autoridades da área monetária e analistas de economia e de política econômica declaram-se surpreendidos.
Mais do que a escassez de materiais, as sanções à Rússia pela invasão da Ucrânia vêm produzindo tiros nos pés das economias ao redor do mundo. E produzem inflação.
Em março, o avanço do custo de vida nos Estados Unidos atingiu inimagináveis 8,5% ao ano, maior esticada em 41 anos. A União Europeia registrou, também em março, inflação de 7,5% em 12 meses.
De longe, a disparada dos preços do petróleo e gás mais a dos alimentos vêm sendo responsabilizadas por quase 50% da alta nos países industrializados. Isso também acontece no Brasil. A Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), agência especializada das Nações Unidas, acusa avanço no primeiro trimestre de 34% nos preços das commodities alimentares e de 60% nos do petróleo.
Mas, também fenômeno globalmente espalhado, a inflação vai se espraiando para outros setores, como o automotivo e o mercado imobiliário.
A Rússia é o terceiro maior produtor mundial de petróleo e gás, atrás dos Estados Unidos e da Arábia Saudita. Rússia e Ucrânia juntas vinham sendo responsáveis por cerca de 30% dos suprimentos globais de trigo e cevada, aponta a Organização das Nações Unidas.
Por trás dessa escalada não está apenas o impacto da guerra e das sanções. Tudo já vinha destrambelhando há dois anos com a desagregação das redes globais de produção e distribuição, em consequência da pandemia. Quando as coisas pareciam voltar ao normal, a guerra melou tudo outra vez.
Os grandes bancos centrais, que trabalham com metas de inflação ao redor de 2% ao ano, vêm sendo acusados de leniência com a inflação. Não querem dar um tranco nos juros porque argumentam, não sem razão, que o grosso da inflação é de custos. E que não seria um severo regime de moeda (juros altos) que derrubaria os preços. As autoridades monetárias temem lançar a atividade econômica à recessão e ao desemprego.
À parte certos deslizes de avaliação, o Banco Central do Brasil foi mais consequente. Não vacilou em puxar os juros básicos (Selic), atualmente em 11,75% ao ano, e pode não parar antes de cravar 14,0% ao ano.
Ninguém sabe até onde vai o impacto da guerra e das sanções impostas à Rússia. Independentemente da natureza da inflação, se predominantemente de custos ou de demanda, se os preços continuarem em disparada, novas e mais drásticas pauladas nos juros ficarão inevitáveis. Sabe-se lá a que custos econômicos, políticos e sociais, também em escala global.
*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA