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E-mails revelam taxa de retorno de 25% em Alagoas

PF abriu inquérito sobre ‘provável ocorrência’ de corrupção no Estado envolvendo o Panamericano e outros bancos

Por David Friedlander , Lenador Modé e Renne Pereira
Atualização:

A Polícia Federal abriu inquérito para investigar "provável ocorrência de crimes de corrupção passiva e ativa envolvendo o relacionamento de pessoas vinculadas ao governo do Estado de Alagoas, o Banco Panamericano e outras instituições financeiras nacionais".

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A sucessão de e-mails entre os executivos que ocuparam o alto escalão do Panamericano sugere que o governo alagoano teria cobrado "taxa de retorno" de 25% sobre cada parcela de uma dívida com dez instituições.

Os e-mails (ver trechos ao lado) que a PF encartou ao inquérito sobre rombo de R$ 4,3 bilhões no Panamericano relatam que, no período de fevereiro a dezembro de 2006, Alagoas deixou de pagar todas as operações de crédito consignado, embora tenha descontado os valores da folha dos servidores. Na ocasião, o chefe do executivo era Luís Abílio, que assumira o cargo em substituição ao governador Ronaldo Lessa (PDT).

Os e-mails citam frequentemente Luiz Otávio Gomes, secretário de Planejamento do governo Teotônio Vilela (PSDB), como personagem central da negociação. O secretário retornou ontem de viagem à Itália.

A coleção de mensagens eletrônicas destaca que a "taxa de retorno" pode ter sido destinada à campanha eleitoral tucana no Estado. "O pagamento do retorno poderá ser a título de doação para campanha do PSDB mediante recibo ou emissão de nota fiscal por empresa de comunicação que será indicada pelo secretário", anotou Luiz Carlos Perandin, gerente operacional de consignação do Panamericano, no e-mail de 10 de agosto de 2010.

O delegado Milton Fornazari Junior, que conduz a devassa no Panamericano, pediu encaminhamento de cópias das mídias com os e-mails para a Delegacia de Defesa Institucional da PF "a fim de lá ser instaurado devido inquérito policial para apurar eventual crime eleitoral".

A maior parte dos e-mails é endereçada a Rafael Palladino, ex-presidente do Panamericano. A PF pediu prisão preventiva de Palladino, que estaria usando laranjas para ocultar patrimônio ilícito. O juiz Douglas Camarinha Gonzales não autorizou a prisão, mas confiscou seu passaporte e o proibiu de deixar o País. A advogada de Palladino, Elizabeth Queijo, disse que não vai se manifestar até que ele preste depoimento.

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No caso do Panamericano, o débito de Alagoas somava R$ 3,08 milhões. Em 10 de agosto de 2010, Perandin destacou que "recentemente todos os bancos foram procurados individualmente" pelo secretário de Planejamento "que se apresentou como assessor especial do governador, sendo discutida proposta do governo para liquidar o débito em quatro parcelas".

Luiz Otávio Gomes teria se deslocado a São Paulo para se reunir com os bancos credores e acertar as condições do pagamento a título de "retorno". Perandin calcula que o pagamento dos 25% sobre o valor principal (R$ 2,71 milhões, já descontada correção monetária) representou o montante de R$ 678,5 mil.

Ele recomendou: "É conveniente que o pagamento não seja efetuado diretamente, mas sim por um terceiro sem vínculo operacional com o banco".

Em 23 de agosto, a menos de dois meses das eleições, e-mail de Perandin a Rafael Palladino informa sobre a visita de Luiz Otávio. "Acabei de falar com o secretário. Ele receberá o contrato assinado, protocolado pela Secretaria da Fazenda, e disse que amanhã estará em SP para negociar o retorno."

Em 17 de agosto, Perandin diz que o secretário ratificou que a "única forma de liquidarem o débito é efetuar o pagamento na forma abaixo, retorno de 25% sobre o principal e devolução integral da correção monetária".

O banco avaliou que o governo de Alagoas não transformaria a dívida em precatório judicial - título que o credor leva décadas para receber. "Essa possibilidade nos parece pouco provável dado o interesse que há em receberem o retorno financeiro da operação", escreveu Perandin.

Banco tinha planos de abordar fundações

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A troca de e-mails capturada pela Polícia Federal nos computadores do Panamericano mostra que em 2009 a direção do banco montou um ambicioso plano para fazer negócios com fundos de pensão de empresas estatais. A chave para ganhar essas contas estaria no apoio dos políticos que apadrinhavam as entidades.

O então presidente do banco, Rafael Palladino, ordenou levantamento para descobrir quem eram os políticos com poder para abrir portas em cerca de 250 fundações, de estatais federais e estaduais, que tinham patrimônio superior a R$ 610 bilhões.

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Os executivos falavam em procurar apoio do senador José Sarney (PMDB-AP) e do então senador Ney Suassuna (PMDB-PB). Em fevereiro de 2009, Palladino recomendou a seus interlocutores que procurassem Sarney, "que é muito amigo do grupo".

Na mensagem para Luiz Sandoval, então braço direito de Silvio Santos, Palladino escreveu: "Você conhece bem o Sarney, não é? Liga para ele dando parabéns por ter ganho a presidência do Senado e depois pedimos abertura nas fundações que ele manda".

A assessoria de Sarney rechaçou participação do presidente do Senado em negócios relativos a bancos e fundações. A assessoria confirmou que Sarney é amigo de um antigo representante do Grupo Silvio Santos em Brasília, mas que não o vê há bastante tempo. Anotou, ainda, que Luiz Sandoval, ex-braço direito de Silvio, já esteve com Sarney, mas para cuidar de assuntos da área de comunicação. A assessoria destacou que "é muito comum" pessoas usarem indevidamente o nome de autoridades para abrir portas.

A análise dos e-mails mostra que os executivos do Panamericano reviraram as entranhas dos fundos de pensão que estavam no alvo, em busca de informações que pudessem ajudá-los a se aproximar das pessoas certas.

Numa dessas mensagens, Carlos Alberto Azevedo, interlocutor frequente de Palladino e do então diretor financeiro Wilson de Aro, enviou relatório em que dizia ter apurado que as Fundações Eletros e Real Grandeza eram "tocadas" pelo ministro de Minas e Energia Edison Lobão, "porém quem estaria por trás na verdade é o Sarney". "No caso da Real Grandeza, teremos que esperar que o presidente caia."

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Outra correspondência, de Palladino, em 7 de janeiro de 2009, traça o plano ousado de aproximação das fundações. "Ok, vamos acompanhar, as fundações têm de ter cada uma um responsável e suas respectivas metas. Temos de montar uma equipe de captação melhor do que tudo que fizemos até agora. Carlos, tem outra coisa, veja bem em off quem são as pessoas que têm influência nas fundações e em quais."

Um e-mail de Palladino, de março de 2009, fala em "abortar a propina". Diz que "é ruim para todos da ABBC (Associação Brasileira de Bancos) conversar assuntos do tipo que conversaram ontem em órgão de classe". Ele chama a atenção para a construtora Camargo Corrêa, alvo da PF na Operação Castelo de Areia. "Vamos tentar abortar este pagamento de propina".

O presidente da ABBC, Renato Oliva, afirmou que, durante sua gestão, Palladino nunca participou de nenhuma reunião no prédio da entidade. O executivo disse ainda que, embora Adalberto Savioli, diretor do banco, fosse conselheiro da associação, ele era bastante ausente. "Nunca ouvi falar desse assunto (propina) nas reunião da ABBC."

Panamericano buscava ‘doação eleitoral via cartão de crédito’

A troca de e-mails que a Polícia Federal interceptou e agora analisa mostra que o ex-presidente do banco Panamericano Rafael Palladino correspondeu-se regularmente com o ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República Luiz Gushiken poucos meses antes das eleições de 2010.

Um tema tratado entre eles era a autorização, por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para que partidos políticos pudessem receber doações de campanha de empresas e outras entidades por meio de cartões de crédito. Pela legislação vigente, só pessoas físicas podiam usar esse meio de pagamento. No campo "assunto" dos e-mails, constava "doação eleitoral via cartão de crédito".

Na ocasião, o Grupo Silvio Santos era dono da Braspag, especializada no processamento de transações eletrônicas, como cartões de crédito e débito. Em maio deste ano, a Braspag foi vendida para a Cielo. Em 3 de julho de 2010, Gushiken questiona Palladino sobre a venda de cartões para uma igreja evangélica. O ex-ministro acha que está sendo "excluído das tratativas".

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Em um e-mail de março de 2010 Palladino comenta com o executivo que dirigia a área de seguros do banco, Mauricio Bonafonte, que iria se encontrar com João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, naquela semana. "Sexta estarei com o Vaccari para acertar isto pra o PT arrecadar pelo cartão. Gostaria que fosse comigo para encaminhar depois pra Braspag."

"A Braspag queria vender um software que permitia receber doações por meio de cartão de crédito, como nos EUA", disse Vaccari. "Nós estudamos, mas a legislação não permitia que o partido recebesse doações assim, então a Braspag vendeu o sistema para o comitê eleitoral da Dilma (Rousseff)."

Em e-mail a Bonafonte, no mesmo dia, Palladino escreve: "Na moita, sem falar em PT nem em Gushiken, veja se conseguimos pela Braspag viabilizar este negócio pra captar recursos pro PT rapidinho. Se der, depois falamos com o PSDB".

No mesmo dia 8 de março, Palladino dá retorno ao ex-ministro. "Gushiken, conforme te falei, a Braspag, penso, conseguiria viabilizar isso bem rápido." O e-mail cita como o TSE tratava as doações por meio de cartão de crédito nas eleições de 2010.

Doação de campanha. O analista da PF levanta a hipótese de que o conteúdo revelaria "a capitalização de recursos para o PT através da empresa Braspag". Diferentemente do Panamericano, a Braspag tem capital fechado que não é regulada pelo governo. Essa é uma brecha na legislação que o caso Panamericano explicitou - operações fraudulentas foram feitas por meio da área de cartões. Segundo o TSE, nem Panamericano nem Braspag fizeram doações legais para a campanha eleitoral em 2010 - em nenhuma esfera. /F.M., D.F., L.M. e M.G.

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