‘É muito cedo ainda para falar em mudar meta', diz economista-chefe do Santander
Para economista, regra do teto de gastos tem condições de lidar com a necessidade de mais recursos
Entrevista com
Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander
Entrevista com
Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander
14 de março de 2020 | 05h00
BRASÍLIA - A ex-secretária do Tesouro Nacional Ana Paula Vescovi avalia que ainda é cedo para o governo pensar em mudar a meta fiscal das contas públicas. Vescovi, que é hoje economista-chefe do Santander, diz que é preciso o Brasil manter a âncora fiscal da economia para o Brasil não sair mais desorganizado da crise. “É muito cedo ainda em falar de mudar a meta. Se for necessário lá na frente, tem que ser bem comunicado”, diz. Segundo ela, a regra do teto de gastos, que proíbe o avanço das despesas acima da inflação, tem condições de lidar com a necessidade de mais recursos em momentos de contingência. Na sua avaliação se for necessário ajudar setores específicos, como o setor aéreo, a medida deve ser feita com subvenção direta do Orçamento, com “começo, meio e fim”, e não com redução de tributos.
A crise é grave, mas temos que assegurar durante esse processo de contingências os nossos fundamentos macroeconômicos. Quando a gente sair da crise, não podemos ter um problema adicional, que provavelmente vai ter uma solução muito mais demorada. Eu me refiro à questão fiscal. Estamos entrando na crise ainda não organizados e não resolvidos em termos do ajuste fiscal. Antes de termos conseguido completar a nossa consolidação fiscal que foi combinada por meio de algumas instituições, como a regra do teto. Estamos na metade do caminho.
A própria regra do teto de gastos, a instituição mais importante que precisa ser mantida inabalada nesse processo, prevê formas de lidar com essas contingências e o crédito extraordinário é o instrumento mais fácil de exemplificar. Foi o que governo lançou mão para fazer uma suplementação de crédito para a área de saúde, que precisa enfrentar com protocolos e procedimentos isso custa. Há poucos instrumentos que nos restam para lidar com o problema, mas existem. Como ter condições de trocar despesas.
Não podemos abrir mão. O mercado essa semana já teve uma reação de que é preciso ser observada, mediante os ruídos que possam ampliar despesas obrigatórias. Isso criou uma crise paralela no Brasil. Os mercados reagiram de forma muito ruim.
Isso. Se não tivermos essa âncora fiscal, vamos acabar retirando o espaço da política monetária ajudando nesse momento na reação da crise.
É. Ficará extremamente mais difícil para a política monetária ter o seu espaço. No momento que se tira uma âncora de confiança, adiciona um risco aos juros, aumenta a pressão sobre os juros que são negociados no mercado privado, nos papéis que são referenciados a juros. Quando se adiciona prêmio de risco, o juro privado começa a piorar. É como ela se deslocasse da taxa Selic. E isso atrapalha a atividade econômica.
Vai acontecer um impacto muito importante. Temos uma previsão de que o PIB brasileiro vai sentir pesadamente esse ano. Já estamos indo de 2% para 1,5% para 2020, mas com viés de baixa. Provavelmente ainda vai uma nova rodada de revisão para baixo. Mas o melhor a fazer é concentrar nessa contingência sanitária e insisto que a regra do teto tem condições de lidar.
É muito cedo ainda em falar de mudar a meta. Se for necessário lá na frente, tem que ser bem comunicado. Tem que ter indicadores mais concretos do que temos hoje e qual é o espaço que se terá que ajustar. Nesse caso, sendo bem comunicado, tendo todo um caráter temporário, é um instrumento que existe: poder mudar a meta.
Poder dispersar o esforço que deveria estar totalmente concentrado numa contingência sanitária. Estamos falando de uma crise bem diferente.
Ser for necessário, eu não tenho aqui todos os elementos para analisar as condições setoriais, que seja feito via subvenção (subsídio). Gasto orçamentário direto, transparente. Sem ter redução de tributo. Para isso, teria que aumentar tributo em outra ponta. É uma saída, mas não vejo espaço. É mais complicado.
Se for algo emergencial, temporário, associado à crise, bem justificado, também pode ficar no modelo do crédito extraordinário. Como foi feito no subsídio ao diesel para acabar com a greve dos caminhoneiros. Tem início, meio e fim. Tem uma operacionalidade complexa, mas é algo transparente e passível de ser monitorado e com uma temporalidade bem marcada.
Esse momento de grande incerteza e instabilidade suscita uma série de discussões que vão trazer pressões para o lado fiscal. Eu já vejo muitas de pessoas que a regra do teto vai incomodar, que Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) vai incomodar e sou absolutamente contra. Por quê? A crise vai passar e a nossa macroeconomia vai ficar desestruturada. O Brasil vai criar outra crise. Temos que cuidar das pessoas, mas temos que sair da crise organizados.
São momentos muitos tensos, de teste da resiliência. Mas muito importante ela está coesa num discurso e estar sendo apoiada pela instituição da Presidência da República e ter uma convergência com o Congresso. É o momento de todas as instituições se unirem.
Por que desse bloqueio? Insuficiência de recursos, diante das despesas previstas no Orçamento. Cabe a área técnica encontra a saída e tem um diálogo aberto com o Congresso.
Uma coisa que vai impactar o bloqueio é a retirada da receita de privatização da Eletrobrás. É um recurso muito importante nesse momento. É preciso acelerar esse projeto.
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.