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Jornalista e colunista do Broadcast

Opinião|É o BC um refém político?

Para o mercado, não basta ser independente. É preciso parecer independente

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Atualização:

Paira, volta e meia, a seguinte especulação no cafezinho, à boca pequena, em conversas privadas no mercado financeiro sobre a reputação do Banco Central: há interferência política nas decisões sobre juros?

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Há quem atribua a postura da atual gestão do BC em sinalizar que não subirá a taxa Selic por um longo período – o que o Copom chamou de prescrição futura – à ingerência política. Ou seja, que a promessa de manutenção do atual grau de estímulo monetário é uma ordem vinda do ministro da Economia, Paulo Guedes, e, por tabela, do presidente Jair Bolsonaro.

O comunicado da última reunião do Copom surpreendeu pelo tom bem mais suave do que o esperado em relação ao balanço de riscos que influencia a prescrição futura, diante da significativa piora na percepção dos investidores sobre o cenário fiscal. Mais ainda: o Copom manteve aberta a porta para um corte adicional dos juros mesmo com o forte repique da inflação.

Na ata da sua última reunião, o Copom corrigiu um pouco o tom do comunicado, soando mais duro tanto em relação à magnitude do choque recente de preços, quanto ao regime fiscal. Mas manteve a prescrição futura intacta.

Fachada do Banco Central, em Brasília Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

É verdade que, do ponto de vista técnico, a postura atual do BC em relação aos próximos passos da política monetária não é totalmente descabida, afinal as projeções de inflação para o horizonte considerado relevante pelo Copom (2021 e 2022) estão abaixo da meta e o aumento do desemprego em razão do impacto da pandemia do coronavírus ainda manterá uma ociosidade elevada na economia. 

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Mesmo assim é grande o número de analistas e investidores que consideram a postura do BC indefensável diante de um quadro de grande incerteza fiscal – se o teto de gastos será mantido em 2021 – e de surpresas para cima da inflação.

Sem falar na maior pressão do câmbio. No último pregão de outubro, por exemplo, o dólar chegou a ultrapassar o patamar de R$ 5,80. O temor é que a deterioração do quadro fiscal pressione mais ainda o câmbio, com impacto na inflação.

Além disso, muitos acusam o Copom de provocar uma migração desordenada dos investidores da renda fixa para renda variável após reduzir os juros para 2,0%, dificultando, inclusive, a rolagem de títulos públicos atrelados à Selic pelo Tesouro Nacional.

É bom lembrar que a suspeita de ingerência política foi um dos principais obstáculos enfrentados por Alexandre Tombini, ex-presidente do BC, durante o governo Dilma Rousseff, especialmente quando o Copom reduziu a Selic para 7,25% em 2012, a mínima histórica até então, apesar de as condições macroeconômicas na época não corroborarem tal movimento.

A atual gestão não sofre da desconfiança na mesma magnitude do que a observada na época do governo Dilma. Mas a reputação da diretoria atual da instituição está arranhada. 

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“O BC perdeu credibilidade”, disparou Rogério Xavier, sócio da SPX Capital, durante uma “live” promovida recentemente pelo banco Credit Suisse. Ele fez duras críticas ao nível irrealista da Selic e à “estratégia errada” da política monetária conduzida pelo BC, comandado por Roberto Campos Neto. Mas esse não foi o único alvo: “As aparições do presidente do BC conversando com políticos não faz sentido nenhum.”

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Para Xavier, o BC deveria exercer seu papel institucional de ficar à parte das discussões sobre reformas e questões fiscais. “O BC está lá para reagir às coisas que acontecem do outro lado. Ser parte da discussão é destruir a credibilidade”, disse. “Tanto o BC, quanto o Ministério da Economia, eu não escuto mais.”

Vários analistas dizem que a solução está na independência formal do BC. Na semana passada, o Senado aprovou o projeto de lei complementar que dá autonomia ao BC. O texto segue agora para a Câmara.

A proposta aprovada prevê mandatos fixos de quatro anos – não coincidentes com o do presidente da República – para os dirigentes da instituição. E amplia o objetivo do BC para além da estabilidade de preços, incluindo “suavizar as flutuações da atividade econômica” e fomentar o pleno emprego.

Esse trecho do texto foi alvo de críticas, pois abre espaço para eventuais pressões de algum presidente populista que queira estimular a economia em detrimento do controle da inflação. Para o mercado, não basta ser independente. É preciso parecer independente. 

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*COLUNISTA DO BROADCAST 

Opinião por Fábio Alves

Colunista do Broadcast

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