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É preciso acabar com o 'overnight' do BC

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Por Felipe Salto
Atualização:

O resultado nominal do setor público, como lembrou o professor Roberto Macedo em seu artigo para o Estadão (Ajuste e desinformação, 5/2, A2), é a conta mais importante para avaliar a saúde fiscal do governo. Isso porque ela não contempla somente as despesas primárias (investimentos, pessoal e outros), mas também os juros pagos sobre a dívida. Olhar apenas o resultado primário é como não contabilizar os juros do cheque especial e do cartão de crédito no orçamento familiar. Dentro da conta de juros do setor público há um tipo de operação realizada pelo Banco Central (BC) que tem grande peso e tem sido pouco discutida: a chamada operação compromissada. Colocar o dinheiro no "overnight", no período da hiperinflação, servia para neutralizar a corrosão da renda. As chamadas operações compromissadas do BC são o "overnight" que ele oferece aos bancos. Uma política econômica genuinamente nova, que pretenda levar o País a convergir para juros mais baixos, não pode deixar de contemplar essa questão, hoje ignorada pelas autoridades e pela opinião pública, salvo raras exceções. A troca de título público (que paga ao detentor uma determinada taxa de juros) por dinheiro é o mecanismo pelo qual o BC consegue gerenciar a quantidade de reais circulando na economia. O avanço brutal dessa dívida realizada pelo BC com os bancos tem custado caro ao País. No dia 10 de dezembro de 2014, o patamar de operações compromissadas atingiu R$ 895,9 bilhões - 28% da dívida pública bruta total. O custo dessas operações equivale à própria taxa básica de juros (Selic), hoje de 12,25% ao ano, o que significa uma despesa de R$ 110 bilhões em um ano. Mal comparando, é um gasto equivalente a quatro orçamentos anuais do Bolsa Família ou a dois orçamentos de investimentos federais. O total das operações se divide assim: R$ 166,8 bilhões com renovação diária (o "overnight do BC"), outros R$ 550,9 bilhões com prazo de apenas 29 dias e R$ 178,2 bilhões com prazo de 41 dias. No limite, as compromissadas têm, em média, prazo muito próximo a um mês. Além do custo elevado, as compromissadas preocupam pelo efeito sobre os juros. A inflação é alta, no Brasil, como todos sabem, mas a taxa de juros vigente é igualmente elevada para padrões internacionais. Será que elevar a Selic, indiscriminadamente, continua a ser a solução mais inteligente para controlar a dinâmica dos preços? O fato de uma montanha de títulos públicos (dívida do Tesouro indexada à Selic mais as operações compromissadas) ser atrelada ao principal instrumento de controle da inflação produz distorções. Cria-se uma espécie de piso para a queda dos juros, pois a remuneração exigida pelo mercado tende a ser maior que a taxa de juros necessária para manter a inflação controlada. Funciona assim: a autoridade monetária, para evitar o excesso de moeda na economia, garante ao mercado títulos que pagam bem e reforça a dependência a um padrão recessivo de política econômica. O juro fixado acaba ficando acima do necessário para conter a inflação. Se o BC impusesse juros menores, paulatinamente, com operações de prazo maior, continuaria a haver demanda pelas operações ofertadas, mas mudar isso não é trivial. Estamos presos a um "equilíbrio ruim". De um lado, medidas de controle do crescimento do gasto corrente poderiam ajudar, sim, como temos defendido. Sem alterações na gestão da dívida, no entanto, pelo Tesouro e pelo BC, continuaremos presos à armadilha dos juros altos com investimentos muito aquém do nível eternamente prometido, e nunca cumprido, de 25% do PIB. Desenvolvimento requer autonomia e liderança do Estado. A política monetária e seus custos também precisam ser discutidos se o País quiser mudar a fracassada estratégia de preparar o terreno para o capital externo esperando que o crescimento cairá nas nossas cabeças feito maná divino.* Especialista em contas públicas, é professor de macroeconomia nos cursos Latu Sensu da FGV/EESP

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