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Economia e outras histórias

E se vencesse o ‘remain’?

Brexit só dramatiza um estado de instabilidade que já parecia incapaz de evitar nova crise

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Por José Paulo Kupfer
Atualização:

Na rapidez dos tempos atuais, quase tudo já foi dito sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, decidida em referendo na quinta-feira. Mas, diante das infinitas teias de implicações e interrelacionamentos desses mesmos tempos, ainda falta muito para que se possa ter uma avaliação suficientemente sólida e abrangente do ocorrido. Com toda informação já produzida e o pouco que realmente se sabe do que vai acontecer, um balanço do day after do referendo britânico aponta para um novo período de grandes incertezas. 

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Quando há incerteza, os investimentos se retraem e os aplicadores correm para ativos mais seguros, o que já está ocorrendo com o dólar. Com isso, surgem obstáculos adicionais ao relançamento da economia em âmbito global – os efeitos possivelmente se farão sentir não só no Reino Unido e na Europa, mas nos Estados Unidos, Japão e mercados emergentes. Se a recuperação econômica global já avançava a passos lentos e em zigue-zague, com a vitória do Brexit os riscos de nova recessão mundial aumentaram. Pior para economias como a brasileira que, embora relativamente fechadas ao exterior, historicamente se movimentam em linha com a trajetória global.

Apesar da reação de pânico que tomou conta das praças financeiras ao redor do mundo, com intensas quedas nas bolsas e fortes desvalorizações de moedas ante o dólar – fazendo lembrar a derrubada geral de ativos na esteira da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008 –, as tentativas de comparar o episódio de sete anos atrás com o acontecimento da semana passada não se sustentaram. As projeções para o crescimento mundial, nos próximos anos, que já não estavam animadoras e vinham encolhendo, recuaram um pouco mais, sem, no entanto, sinalizar um novo mergulho nos profundos círculos recessivos de fins da década passada. 

O resumo da coisa toda é que, na essência, a situação não ficaria tão pior se o “remain” (permanência na UE) tivesse vencido o referendo. A questão de fundo, na verdade, é que o Brexit dramatiza – e expõe mais claramente – um estado de instabilidade que se prolonga desde o crash de 2008 e, com todas as “inovações” e ousadias adotadas desde então, ainda parece incapaz de evitar, no futuro não muito distante, um novo ciclo recessivo. 

Depois de todos os afrouxamentos monetários e da insistência com juros muito baixos ou mesmo negativos, os riscos de colapsos econômicos, com quebras no sistema financeiro, agravados pelos impactos sociais adversos das políticas econômicas, notadamente as de austeridade rigorosa, continuam no radar da economia global. O comércio exterior, que tende a ficar menor com o Brexit, se as tendências isolacionistas se disseminarem, é só parte desse ambiente de incertezas e contração dos negócios.

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Ao mesmo tempo que os longos e demorados programas de ajuste fiscal contribuem para ampliar desigualdades e descontentamentos sociais – dos quais o Brexit é uma manifestação aguda –, as políticas monetárias de injeção maciça de liquidez e estímulo ao crédito, em lugar de estimular a demanda agregada, via consumo e investimento, promovem a formação de novas bolhas financeiras. No fim de semana, a propósito, o BIS, instituição que reúne os bancos centrais, emitiu nota ressaltando a permanência de um “trio de riscos”, que fragiliza a economia mundial. 

O primeiro deles é a baixa produtividade, provocada, entre outros motivos, pela retração dos investimentos. Outro é o volume das dívidas em geral, soberanas ou não, que continuam elevadas, apesar de mais de sete anos de esforços de desalavancagem. E, finalmente, a perda de margem de manobra das políticas econômicas, das quais a rigidez da política de juros, depois do ingresso, aparentemente sem sucesso, no terreno das taxas negativas é um exemplo eloquente.

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