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''''É uma crise séria, mas será encarada com serenidade e sem sofrimento''''

Por Beatriz Abreu e Ribamar Oliveira
Atualização:

A crise "é séria" e aumentou muito a possibilidade de recessão nos Estados Unidos, na avaliação do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles. Em análise didática, sem conotação otimista ou catastrófica, Meirelles mostrou, nesta entrevista ao Estado, antes de embarcar para Davos, na Suíça, as nuances da crise do subprime, que nas últimas semanas arrastou bancos estrangeiros para a zona dos prejuízos e obrigou o Fed (o banco central americano) a reduzir os juros em 0,75 ponto básico. A seguir, os principais trechos da entrevista. Os Estados Unidos vão mesmo entrar em recessão? Ainda é prematuro dizer isso. A recessão não é algo que acontece gradualmente, como um crescimento econômico. Todos projetam, alguns com razoável grau de acuidade, um processo de aceleração econômica e chegam a estimar quando isso vai se dar nos trimestres subseqüentes. A recessão, no entanto, se dá por um processo de descontinuidade de séries de dados. Ela acontece abruptamente, na medida em que existe uma reação de aversão ao risco de pessoas, investidores, etc., muitas vezes com movimentos psicológicos grandes, de massa, o que leva a um fenômeno recessivo. Não está claro ainda, pelos dados americanos, se os Estados Unidos já estão em recessão ou se de fato vão entrar em recessão. O que existe, portanto, são análises econômicas que mostram que a possibilidade de recessão é importante e está lá. Se, de fato, ocorrer uma recessão nos Estados Unidos, é possível saber a duração e a profundidade desse processo? Também vai depender de todos esses fatores que estamos analisando e, de novo, não estão absolutamente claros neste momento. Mas existe essa possibilidade, de fato, de uma recessão americana mais séria, digamos assim. A questão é saber como se chegará ao fim desse processo. E como será? Será quando o valor dos imóveis americanos atingir um piso, na medida em que já não haja mais empréstimos subprime sendo feitos, em que o estoque de casas novas comece a se estabilizar, comece a cair. Ainda está subindo. Toda uma série de indicadores vai fazer com que o processo se reverta. Isso todos estão olhando. Além de dados de desemprego, de confiança do consumidor, de produção da indústria automobilística, de estoques, etc., que todos também estão olhando nos Estados Unidos. Em que medida a crise americana atingirá outros países? Isso também não está claro. Qual é a capacidade, de fato, de a economia chinesa resistir a uma queda pronunciada das importações americanas de produtos chineses? De quanto será essa queda (das importações), o que não está claro, e qual será o impacto disso na economia da China? Quanto a China vai ter condições de absorver com o consumo doméstico? Qual será o efeito sobre a Índia e a própria Europa? Existem graus diversos de possibilidades. Certo impacto certamente terá, pois a economia americana é muito importante e grande importadora. E os efeitos sobre o Brasil? Quando analisamos isso, temos de olhar três fatores: qual o efeito da crise na economia americana, portanto, na diminuição das importações americanas; qual o efeito nos demais países; e, em terceiro lugar, qual o efeito sobre o Brasil, na medida em que o Brasil exporta para os Estados Unidos e para os demais países. Se diminuir a importação americana, outros países passarão a exportar menos para os Estados Unidos e a comprar menos de outros países, por exemplo, do Brasil. Só assim teremos condições de avaliar os efeitos sobre o Brasil. Além do mais, há efeitos sobre os fluxos de capitais, que podem ter redução em razão de todo esse quadro. O sr. tem dito que o Brasil está preparado para enfrentar uma recessão nos Estados Unidos. Como? O Brasil está preparado para enfrentar essa situação, que tem graus diferentes de seriedade e de gravidade. O Brasil está bem preparado. Essa é uma mensagem importante. Por quê? Olhando a área externa, o Brasil tem, em primeiro lugar, uma conjugação importante. O País tem não só US$ 185 bilhões de reservas cambiais, de longe as maiores da nossa história, mas também o câmbio flutuante. O câmbio flutuante funciona como um absorvedor de choques ou corretor de desequilíbrio de preços relativos. O câmbio flutuante e esse volume de reservas dão ao País um bom grau de segurança para olhar uma flutuação no balanço de pagamento e no fluxo de capitais. Em segundo lugar, o governo brasileiro hoje é credor em moeda externa. No passado, ele era devedor líquido em dólar. O que significa isso na prática? No passado, quando ocorria uma crise cambial, o dólar subia e isso aumentava a dívida pública, que estava muito indexada ao dólar. Isso gerava pouca solvência do Estado, o que criava o maior problema. Era um círculo vicioso. Hoje, invertemos esse processo. O Estado brasileiro é credor líquido, o que significa que, quando há depreciação da nossa moeda, o real, uma fuga de capitais depreciando-a, a dívida pública cai, ao invés de aumentar. Isso funciona como um sistema contracíclico, um amortecedor importante. Outro dado da questão é a relação da dívida pública com o Produto Interno Bruto (PIB), que está cadente. Estamos produzindo superávit primário nos últimos anos. O governo vai manter o superávit primário? É um compromisso do governo continuar produzindo o superávit primário. O superávit é importante nesse quadro de solvência do Estado, solvência fiscal. Depois, a inflação está na meta. O Banco Central está comprometido em entregar a inflação na meta. Isso é um dado. Há mostras disso, indubitáveis. A existência de confiança na estabilidade da moeda é um fator muito importante. O governo tem destacado que o crescimento do Brasil está sendo puxado pelo mercado interno. Exato. Hoje, o Brasil está crescendo 5% ou mais. O Brasil está com o crescimento impulsionado pela demanda doméstica, que resulta do aumento da renda, do salário, do crédito. Por isso, o País tem condições de sofrer menos com uma queda da demanda externa. E tem toda uma série de situações completamente diferentes - muitas vezes opostas - à situação que nós vivemos no passado. Isso dá ao País melhores condições para enfrentar essa crise. A crise afetará a atividade econômica do Brasil? É uma crise séria, que estamos monitorando, mas podemos olhá-la com serenidade. Essa é a razão pela qual o Banco Central, tendo uma previsão para o crescimento em 2007 de 5,2%, fez uma previsão para 2008 de 4,5%. Por quê? Porque estamos assumindo a hipótese de que vai, de fato, haver uma desaceleração importante da economia americana, com reflexos em outras economias. Somado com outros fatores, dará essa taxa de crescimento (de 4,5%), que resume as nossas estimativas sobre os efeitos da crise americana no Brasil. Mas, de novo, tudo isso são hipóteses baseadas em avaliações, análises e modelos macroeconômicos. Então, o Brasil pode ser afetado? De novo, recessão não é uma coisa boa para ninguém, afeta todas as pessoas no mundo todo, inclusive o Brasil. O importante é que desta vez estamos preparados para encarar tudo com serenidade e não sofrer como outros países ou como o Brasil sofreu no passado. Já é possível saber se a economia americana caminha para uma forte desaceleração ou para uma recessão, mesmo que de pequena intensidade? Isso não está claro, ainda. Aumentou muito a possibilidade de recessão. Por outro lado, o Fed tem tomado medidas agressivas. Não há esse consenso. O que existe é a consciência de que a possibilidade de recessão é real. Ou seja, não se sabe o tamanho do monstro da crise americana. Exatamente. O Brasil viveu momentos ruins no início da semana passada, mas, de repente, as coisas ficaram mais tranqüilas. Essa volatilidade vai voltar? Não só no Brasil, mas em todo o mundo. A volatilidade pode voltar. Já tivemos momentos muito voláteis, como em agosto do ano passado. Em alguns momentos parecia que tinha passado, mas voltou. Na semana passada tivemos um dia de volatilidade intensa. Foi o pior desde 11 de setembro de 2001. O cenário desagravou, não só pelos movimentos do Fed, mas por outras razões. Houve o pacote tributário americano, houve as negociações com as seguradoras de crédito e uma série de questões. Mas isso não impede que haja outras volatilidades. Por quê? Porque até que se estabilizem os processos do setor imobiliário americano não vai se ter absoluta segurança da dimensão das perdas dos bancos. É o seguinte: só quando estabilizar o preço dos imóveis americanos e, em conseqüência, estabilizar o valor dos papéis que os bancos têm em carteira referente a crédito imobiliário, só a partir daí se terá segurança de uma precificação desses papéis no geral e, em conseqüência, se terá segurança de qual é o tamanho das despesas dos bancos no geral. Hoje existem estimativas, mas não há segurança dos mercados. Também não é possível definir o prazo em que essa crise pode estar diluída? Não se pode trabalhar com prazos. Pode ser um prazo menor, que é o que todos gostariam. Mas pode se prolongar por bom tempo, dependendo dos elementos dessa evolução. A tese do descolamento dos emergentes foi colocada de lado? A questão é a seguinte: não é nem preto nem branco, como muitas vezes na vida. Estão se cunhando várias expressões. Já se cunhou descolamento, já se cunhou recolamento... Alguns estão dizendo que está havendo recolamento porque agora são China e Índia que vão ajudar a economia americana a se recuperar. Na realidade é o seguinte, para objetivar: a situação dos emergentes hoje é muito melhor que no passado, por todos esses fatores que mencionei. Não só o Brasil. O Brasil está numa situação bastante reconhecida hoje e tendo feito um bom trabalho nessa área. Outros emergentes estão em situação melhor. O total da produção econômica hoje dos emergentes é maior hoje do que no passado. Justamente por isso se falou em descolamento dos emergentes da crise americana. Nesse aspecto, o impacto da desaceleração americana será menor e, por isso, se falou no descolamento. Mas depois se passou a verificar que descolamento absoluto não existe. Hoje a economia americana não tem a importância que tinha depois da 2ª Guerra. Mas continua a ser a maior do mundo, o maior importador. Então, não é uma coisa nem outra. O que cada país tem de fazer é medir seu grau de vulnerabilidade. O que se observa é uma divergência sobre a atitude do Fed. O presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, disse que a prioridade deve ser o combate à inflação. O sr. tende a que tese: crise se combate com inflação ou afrouxando os juros? As situações da Europa e dos Estados Unidos são muito diferentes. Eu prefiro que fale pela Europa o Jean-Claude Trichet e pelos Estados Unidos o meu amigo (Ben) Bernanke. Na sua avaliação, as medidas do Fed e o pacote fiscal são suficientes? É prematuro isso também. Muito prematuro porque são todos processos que têm uma defasagem. (As medidas) têm alguns impactos imediatos nas expectativas, impactos imediatos na liquidez. Nos mercados financeiros, às vezes, os impactos são mais rápidos do que na economia real. São defasagens importantes, portanto é muito prematuro. Existem opiniões de vários matizes e com conclusões bastante diferentes.

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