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Economia diz que mudança em Belo Monte atrapalha crescimento e traz risco à ordem pública

Decisão técnica do Ibama aponta a necessidade de hidrelétrica liberar mais água de seu reservatório, sob risco de comprometer a vida do Rio Xingu e comunidades ribeirinhas

Foto do author André Borges
Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - Em mais uma ação de pressão total sobre a área do meio ambiente e o Ibama, o governo coloca agora o Ministério da Economia para alegar que qualquer mudança na partilha das águas do Rio Xingu realizada pela hidrelétrica de Belo Monte poderá comprometer a retomada do crescimento econômico do País. A pasta chega a afirmar que as mudanças poderiam, inclusive, impor riscos à ordem pública. 

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O Estadão teve acesso a um ofício que o Ministério da Economia encaminhou na quinta-feira, 28, ao Ibama, relatando sua preocupação com o tema. O posicionamento é uma resposta ao Ministério de Minas e Energia, que tem mobilizado toda a cúpula do setor elétrico e, agora, da área econômica, para derrubar a decisão técnica do Ibama sobre a necessidade de a usina liberar mais água de seu reservatório, sob risco de comprometer a vida rio e de quem vive às suas margens, em uma extensão de mais de 130 quilômetros, no município de Vitória do Xingu, no Pará.

“Em resumo, sem entrar em qualquer discussão jurídica ou de mérito ambiental que foge das atribuições desta Secretaria, e assumindo as consequências energéticas apresentadas pelo ministério setorial responsável (MME), a manutenção pelo IBAMA do referido hidrograma pode atrapalhar a necessária retomada do crescimento econômico do país após crise sanitária sem precedente, importando riscos à ordem e à economia pública”, afirma o Ministério da Economia.

A pasta comandada por Paulo Guedes afirma ainda que “com imensa probabilidade, implicará perda de competitividade e produtividade das empresas brasileiras e perda de renda das famílias. Cabe destacar, ainda, a hipótese de incremento na percepção do risco regulatório no país, deteriorando ambiente de investimentos em infraestrutura nacional”.

O documento foi repassado ainda na quinta-feira ao MME, que encaminhou o posicionamento ao Ibama. Em seu ofício, o Ministério da Economia trata de mencionar outros agentes do setor que já foram abordados pelo MME para pressionar o Ibama a mudar sua decisão. Em dezembro, a pasta já havia acionado toda a cúpula do setor elétrico. Órgãos como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) entraram em cena. O pedido de manifestação feito pelo MME ocorreu um dia depois de o Estadão revelar que o Ibama havia pedido uma mudança na partilha das águas.

Trata-se de uma posição técnica, embasada em dezenas de laudos e monitoramentos feitos nos últimos anos, acompanhados por diversas instituições públicas, por especialistas, perícias científicas e o Ministério Público Federal (MPF). Desde o início da construção de Belo Monte, já se sabia que o volume de água que a concessionária Norte Energia queria reter em ser reservatório iria comprometer gravemente a existência de vida no trecho do rio, dado o volume mínimo que a empresa libera, com o objetivo de gerar energia. Por isso, foi estipulado que essa vazão de água, conhecida como hidrograma, teria que ser revista e adaptada às necessidades. Isso consta, inclusive, no próprio contrato de concessão.

Em agosto de 2019, o MPF recomendou a retificação da licença de operação de Belo Monte, com a revisão do hidrograma e sua substituição por outro modelo “apto a garantir as funções ambientais e a sustentabilidade das condições de vida na Volta Grande do Xingu”.

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Ibama aponta a necessidade de Belo Monte liberar mais água, sob risco de comprometer a vida do Rio Xingu. Foto: Marcos Corrêa/PR

A Norte Energia apresentou duas propostas anuais de vazão, que passariam a ser usadas de forma alternada, durante o prazo de seis anos, para se chegar a um ajuste, os chamados hidrogramas A e B. Acontece que o Ibama, após análises, concluiu que é “impraticável a implantação do Hidrograma A”, e que, em relação ao Hidrograma B, “os dados presentes no processo de licenciamento são insuficientes para garantir que não haverá piora drástica nas condições ambientais e de modo de vida na Volta Grande do Xingu no caso de sua implantação”.

Em seu ofício, o Ministério da Economia cita o ONS, apontando que “não haveria geração termelétrica suficiente para compensar a redução de geração no complexo Belo Monte, o que significa que seria preciso lançar mão de geração de energia de outras usinas hidrelétricas”.

Na quinta, o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone, disse que espera uma decisão de “equilíbrio” sobre mudanças na quantidade de água que é liberada pela hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.

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Para André Pepitone, há "espaço para um meio termo" na decisão sobre liberação de água da hidrelétrica. Na quarta-feira, 27, a Aneel enviou um ofício ao Ibama, para comentar qual seria o custo financeiro para a tarifa do consumidor de energia, caso a Norte Energia siga as determinações do órgão ambiental em fevereiro, como já fez em janeiro. A reportagem teve acesso ao documento.

“Sem adentrar aos aspectos ambientais do assunto, o impacto estimado da medida aplicada nos dois primeiros meses de 2021, janeiro e fevereiro, seria próximo a R$ 1,3 bilhão para o consumidor final de energia elétrica”, declara o diretor-geral da agência, no ofício. “Respeitando as competências próprias dessa autarquia ambiental, é importante ressaltar que a nova vazão imposta traz impactos significativos ao setor elétrico brasileiro.”

A definição sobre o volume de água obedece a uma programação mensal, que varia fortemente conforme a época do ano, por causa dos meses de cheia e de seca. Neste mês de janeiro, por exemplo, a Norte Energia queria liberar apenas 1.100 metros cúbicos de água por segundo para a Volta Grande, conforme previsto em seu próprio hidrograma. O Ibama, porém, determinou que a concessionária fizesse a liberação de 3.100 m³/s.

Para fevereiro, a empresa pretende liberar apenas 1.600 m³/s, mas o Ibama cobra que esse volume chegue a 10.900 metros cúbicos, quase sete vezes o pretendido pela concessionária. Diversos estudos técnicos já demonstraram que a retenção da água tem comprometido espécies de peixes, ameaçando a fauna local. Comunidades ribeirinhas e indígenas correm riscos de terem que deixar a região, porque dependem diretamente do rio para sobreviver.

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Na quinta, ocorreu uma reunião entre técnicos do Ibama e da Norte Energia para tratar do assunto. Um novo encontro acontece nesta sexta-feira.

A pressão do governo imposta sobre o Ibama remete ao próprio licenciamento da usina, que há 12 anos, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegou a derrubar membros da autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, para que o projeto fosse aprovado a qualquer custo.

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