Economia em 'modo eleição' é risco para contas públicas, dizem analistas em reunião com o BC

Em encontro realizado nesta quarta-feira, analistas relataram preocupação com a preservação do teto de gastos, em meio à discussão sobre as mudanças nos precatórios e ao financiamento do novo Bolsa Família

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Por Thaís Barcellos, Cicero Cotrim e Luciana Dyniewicz
5 min de leitura

Uma reunião realizada nesta quarta-feira, 18, entre diretores do Banco Central e analistas de instituições financeiras deixou clara a preocupação que está na mente do mercado: a economia entrou no "modo eleição", e isso significa um risco enorme para as contas públicas, em um momento de projeções piorando tanto para a inflação quanto para os juros e o PIB em 2022. 

"No geral, todo mundo está batendo na tecla de que a eleição já começou", resumiu um participante do encontro, que falou sob a condição de anonimato. "O viés mais negativo para o fiscal e o aumento da incerteza está se refletindo no crescimento do ano que vem sem necessariamente uma contrapartida da inflação." Ou seja, o mercado já prevê um crescimento menor da economia, em um cenário de inflação ainda alta e taxas de juros maiores. 

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Reunião de diretores do Banco Central e analistas apontou preocupação com economia no "modo eleição". Foto: André Dusek/Estadão

Um dos reflexos do cenário mais incerto é sentido na taxa de câmbio. Nesta quarta-feira, o dólar subiu 2% e encerrou o dia cotado a R$ 5,3749, maior valor desde 4 de maio, em meio à preocupação de investidores com o cumprimento do teto de gastos. Nesse ambiente, a divulgação da ata da reunião de política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) contribuiu para elevar os temores e fez a Bolsa encerrar o pregão com queda de 1,07%

A ata do Fed indicou que alguns participantes do comitê de política monetária dos EUA acham apropriado iniciar a redução da compra de títulos - uma medida adotada para estimular a atividade - antes de a economia americana alcançar as condições necessárias para reduzir outros estímulos, como a taxa de juros. Para os dirigentes do Fed, os requisitos para a alta dos juros diferem dos utilizados na compra de títulos públicos. 

"A situação fiscal continua a pesar aqui, assim como a política, com a briga entre poderes, e certamente essa combinação de ruídos atrapalha, no momento em que o foco global está em quando se iniciará o tapering (redução de estímulos) nos Estados Unidos", diz Ricardo Campos, presidente da Reach Capital. 

BC busca sentir a temperatura do mercado

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O BC faz reuniões periódicas, fechadas (e virtuais, nesse período de pandemia), com analistas do mercado financeiro para colher informações para a confecção do seu Relatório Trimestral de Inflação (RTI). O próximo documento será divulgado no dia 30 de setembro. 

Participaram 42 analistas do encontro desta quarta-feira. Pelo BC, estavam os diretores de Política Econômica, Fabio Kanczuk, de Política Monetária, Bruno Serra, e de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos, Fernanda Guardado. Eles não respondem a perguntas, apenas ouvem o que os analistas apresentam. Ainda serão realizadas mais duas reuniões nesta semana, com outras instituições.

Segundo fontes presentes ao encontro, os analistas indicaram que a projeção mais baixa para a taxa Selic no fim do ciclo de alta iniciado este ano era de 7,5%, variando a até 8,5%. "Mas todas com viés de alta", destacou um profissional. 

Para a inflação, a expectativa para este ano ficou em torno de 7,5% e, para 2022, variam de 3,5% (centro da meta perseguida pelo BC) até um pouco acima de 4%. "Há pouca gente convencida de 3,5%, e quem se manifestou nesse sentido apontou viés para cima", disse um dos participantes.

No âmbito fiscal, os participantes ouvidos relataram preocupação com a preservação do teto de gastos, em meio à discussão sobre as mudanças no pagamento dos precatórios e ao financiamento do Auxílio Brasil, novo nome dado ao Bolsa Família. “Sem dúvida o risco fiscal foi dominante nessa conversa, algo que todos demarcaram e que é a preocupação de todo mundo”, disse outro economista que participou do encontro. “Eu fiquei um pouco impressionado com a preocupação geral.”

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Em relação ao crescimento econômico, um participante mencionou que o cenário este ano está "dado", com projeções variando de 5% a 6%, graças ao carrego estatístico elevado, mas que o ano que vem é mais desafiador.

"Para a atividade econômica, a visão geral é de desaceleração, com crescimento entre 1% e 2% em 2022. A maioria tem perto de 2%. Na visão externa sobre atividade, estão muito preocupados com a variante Delta (do coronavírus) e seus efeitos no mundo. Esse efeito de desaceleração econômica da China pode tirar impulso das commodities", disse outro analista.

Mas, se a visão sobre as commodities é de manutenção ou desaceleração, outros choques podem continuar incomodando a inflação de 2022, disse uma fonte. A persistência da inflação para o ano que vem foi um dos focos da discussão, com considerações dos analistas a respeito da natureza da pressão sobre serviços, se de oferta ou de demanda.

Outro ponto relevante na reunião foi a discussão sobre a política monetária nos EUA e seus potenciais efeitos negativos sobre os emergentes e, em particular, o Brasil. "A preocupação é de como o Fed vai fazer o tapering (retirada de estímulos). A visão é quase consensual de que deva começar no máximo no fim deste ano, talvez em novembro. Pode ser mais um fator para pressionar câmbio, inflação e política monetária." 

Incertezas ameaçam desempenho da economia em 2022

O economista-chefe da consultoria LCA, Braulio Borges, destaca que o crescimento mais próximo de 2% está em risco tanto pela situação fiscal como pela incerteza política criada pelas ameaças do presidente Jair Bolsonaro à eleição de 2022. “Isso inibe as decisões de investimento e de consumo. Aí a economia entra num círculo vicioso: ela cresce menos, o governo arrecada menos e a situação fiscal piora.”

Borges, que não esteve na reunião do BC, acrescenta que o debate em torno dos precatórios acentuou a preocupação dos analistas em relação ao fiscal, deteriorando o preço dos ativos. “A percepção de que há um risco de se estourar o teto de gastos aumentou. Isso se reflete no câmbio.” Ontem, o dólar fechou a R$ 5,3759, maior patamar desde maio, com alta de 2%. Já a Bolsa caiu 1% e atingiu o menor patamar desde 1º de abril, ao encerrar a 116,6 mil pontos.

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Para a economista Zeina Latif, as medidas que vêm sendo sugeridas pelo governo ainda indicam que Bolsonaro deverá encerrar o mandado com o País em uma situação pior do que a de 2018. “É uma piora institucional do ponto de vista fiscal. Se está perdendo a credibilidade fiscal. Hoje o debate é o precatório, amanhã é o Bolsa Família e assim vai.”

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