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Economia verde avança no Brasil, mas falta incentivo público, diz especialista europeu

Segundo Michiel De Smet, País possui uma 'racionalidade forte e encorajadora' sobre o tema, mas tem pouco apoio do governo Bolsonaro nas questões ambientais

Foto do author Thaís Barcellos
Foto do author Aline Bronzati
Por Thaís Barcellos (Broadcast) e Aline Bronzati (Broadcast)
Atualização:

A liderança do setor privado em ações para impulsionar a economia brasileira para caminhos mais verdes é encorajadora, mas uma "estrutura política favorável" poderia acelerar essa transição, na opinião de Michiel De Smet, membro da plataforma da União Europeia para finanças sustentáveis, da Comissão Europeia, e coordenador do estudo de Financiamento da Economia Circular da Fundação Ellen MacArthur. Bancos Centrais também têm influência nessa missão ao redor do mundo e já começam, diz, a questionar seu papel e eventuais impactos para a estabilidade financeira e políticas monetárias.

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"Há um entendimento de que o modelo atual não está funcionando no Brasil ou em qualquer lugar, o que está levando a governos nacionais ou municipais a se moverem na direção de uma economia circular", diz De Smet, em entrevista ao Estadão/Broadcast. "Mas, para além do setor público, o privado está avançando. Tem uma racionalidade forte no Brasil, que é encorajadora."

Enquanto no Brasil falta apoio público, com a gestão ambiental do governo Bolsonaro sofrendo pressão externa - e crescente, principalmente após a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos, a economia circular tem sido vista no mundo como uma oportunidade de os países não só se recuperarem da pandemia, mas terem uma visão de futuro, defende. Ele também explica como a taxonomia, conceito que foi extraído da biologia para definir investimentos e negócios realmente verdes, em especial a adotada pela União Europeia, será um divisor de águas no mundo. Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Liderança do setor privado é encorajadora, mas políticas públicas podem acelerar transição para economia verde. Foto: Ellen MacArthur

Como a taxonomia da União Europeia vai produzir mudanças na Europa e contribuir para o desenvolvimento de uma economia verde e circular?

A taxonomia vai criar uma língua comum para entender o que pode ser considerado verde ou circular na economia. É exatamente um instrumento legal como a taxonomia ou a regulação por trás que cria a transparência e a confiança que os investidores e bancos estão procurando. Para ser bem concreto sobre o que irá mudar, se você pensar em participantes do mercado financeiro, como investidores e bancos, quando forem descrever seus produtos, como fundos de investimento ou portfólios, vão usar a taxonomia para mostrar qual o porcentual pode ser classificado como verde. Esse é o lado financeiro.

E no caso de empresas e de governos?

Grandes empresas usarão a taxonomia para entender a proporção de suas despesas ou investimentos, aumentando a transparência. No nível governamental, os membros da UE vão usar a taxonomia para produzirem padrões. Pense, por exemplo, sobre o padrão adotado para os green bonds [títulos de dívida corporativa para projetos sustentáveis]. Com a taxonomia, vamos ter a mesma influência sobre o mercado de capitais, grandes empresas e seus investidores.

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A taxonomia será um gatilho para incrementar investimentos realmente verdes?

As pessoas sempre perguntam sobre investimentos dark green versus os light green e onde desenhar essa linha [de divisão]. Antes de tudo, se você pensar no fato de que essa transparência foi criada e que isso vai atrair investidores que não necessariamente iriam se interessar pelos investimentos dark green. Então, o fato de estarmos criando um ecossistema, que é claro, o que pode ser classificado como verde, vai atrair mais investimentos. Se você olhar para os projetos dark green, tipicamente terá investidores com ângulos e temas particulares, que vão ser guiados por valores e outros interesses, tópicos de nicho.

E como a taxonomia ajuda?

Ter uma taxonomia vai ajudar esses investidores a 'espalhar a palavra', mostrar para os outros o que eles têm feito por anos ou décadas e, nos projetos dark green, eu entendo que vão continuar fazendo o que já fazem. Mas vão se beneficiar do amplo conhecimento, ou da maior transparência. Então, não necessariamente vejo que isso vai conduzir sozinho os elementos de dark green, mas é mais o benefício do amplo ecossistema, que tem mais clareza e transparência, uma linguagem comum, que, no fim, beneficia a enorme variedade de investidores.

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Como você vê a convergência internacional em torno da taxonomia?

A cooperação internacional pode amplificar a criação dessa transparência, evitar o greenwashing [marketing verde], e estimular investidores que estão procurando por atividades econômicas em transição. Todas as iniciativas são importantes no contexto atual. A União Europeia não é a única trabalhando nisso. Vários países estão trabalhando, e isso é ótimo de ver. Obviamente, em algum ponto, todos querem que tenha consistência ou ao menos interoperabilidade. O fato de os governos estarem trabalhando e construindo uma linguagem comum, essa transparência, é algo que deve ser encorajado.

Qual a sua opinião sobre o Brasil e eventuais impactos da taxonomia europeia para o País?

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Não só no Brasil, mas globalmente, o atual modelo industrial extrativo, de pegar recursos, fazer algo com isso e então descartá-lo tem severas deficiências, que estão se tornando físicas. A pandemia de covid-19 reforçou que a economia circular é uma oportunidade para a recuperação, que vai trazer benefícios ambientais, sociais e econômicos. Há um entendimento de que o modelo atual não está funcionando no Brasil ou em qualquer lugar, o que está levando a governos nacionais ou municipais começarem a se mover na direção de uma economia circular. Mas, para além do setor público, o privado está avançando. Tem uma racionalidade forte no Brasil, que é encorajadora. A economia circular é vista no mundo como uma oportunidade de as economias se recuperarem da pandemia. Mais do que isso, a veem como uma visão para o futuro.

É o começo?

É justo dizer que é o começo. Vamos precisar de mais políticas e encorajar mais empresas privadas a fazer essa mudança, mas é encorajador ver esses avanços no setor público e privado, o que é algo que nós como organização incentivamos. Sobre a taxonomia da UE em si, se você é um investidor baseado na Europa e tem regras mandatórias, vai solicitar esse detalhamento ao redor do mundo. E também o contrário: se você quer fazer negócios com a União Europeia, vai ter de cumprir essas regras. Então, será um efeito espraiado, muito parecido com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

O problema é que o esforço do setor privado é maior do que do governo no Brasil?

Eu não sou especialista em política brasileira. Mas o que eu acho encorajador sobre o conceito de economia circular é que tem uma racionalidade econômica forte e, especialmente no caso do Brasil, eu assumiria que uma parte relevante é do modelo de indústria de extrativa dada à área grande do País. Mas a única prova futura é que há uma quantidade finita de recursos. Portanto, esses modelos de negócios, por definição, terão de mudar. Obviamente, se houver uma estrutura de política favorável, isso pode ser feito e acelerado. No final, isso será inevitável e o setor privado, especialmente as empresas líderes, estão realmente percebendo bem a importância disso.

Como você vê a atuação dos Bancos Centrais da América Latina em relação à adoção da taxonomia?

Os bancos centrais estão questionando seu papel e compreendendo esta demanda para a estabilidade financeira e políticas monetárias. O Banco Central Europeu (BCE), por exemplo, está explorando como e se eles deveriam adotar fatores verdes no seu programa de recompra [de títulos]. Isso é ótimo a partir do ponto de vista de um BC. Os bancos estão considerando as mudanças climáticas como um grande risco de investimento ou como podem ser um risco para a estabilidade financeira. Portanto, a economia circular será a solução para a estratégia de instituições financeiras e na identificação de riscos. Será interessante ver como a economia circular vai influenciar nos programas de relaxamento quantitativo (QE) [dos BCs] ao redor do mundo. Não há uma visão forte ainda, mas estou animado em ver como os BCs vão se mover para uma economia circular.

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Você acredita que a pandemia é uma boa oportunidade de mudar a atual forma de capitalismo para uma economia mais sustentável?

Acredito que isso nos permitirá acelerar a transição para a economia circular. Certamente é justo dizer que, mesmo antes da pandemia, este momento estava sendo construído. Já estávamos vendo o setor privado, empresas procurando fortalecer essa cadeia, falando com gerações mais jovens. Grandes nomes já estavam se engajando e reforçando suas políticas de sustentabilidade na Europa, na China. Portanto, há novamente uma boa combinação da abordagem da economia circular que oferece a visão e a direção para os formuladores de políticas, bem como uma oportunidade econômica, na qual o setor privado está interessado e, então, pode-se ir além disso.

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