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‘Fragmentação política e desigualdade dificultam desenho de políticas públicas’, diz Marcos Mendes

Economista organizou o livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil', que será lançado na segunda-feira, 30

Por Vinicius Neder
Atualização:

RIO - A fragmentação do sistema político brasileiro e a elevada desigualdade entre os diferentes grupos sociais são os principais fatores por trás da crônica dificuldade de desenhar boas e eficientes políticas públicas no País, avalia o economista Marcos Mendes, professor do Insper e ex-assessor do Ministério da Fazenda na gestão de Henrique Meirelles, durante o governo Michel Temer (MDB).

Para melhorar o cenário, o economista destaca a importância de se avaliar as políticas públicas, para aprender com seus erros. Esse é o espírito do livro “Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil”, organizado por Mendes, que será lançado na segunda-feira, 30. No curto prazo, porém, esses erros parecem estar se repetindo, como nas mudanças que transformaram o Bolsa Família no Auxílio Brasil e no forte crescimento do uso das emendas de relator, que distribuem de forma pouco transparente recursos do Orçamento, de forma desconectada das políticas públicas. A seguir, os principais trechos da entrevista. 

O economista Marcos Mendes; para melhorar cenário do Brasil, é preciso avaliar as políticas públicas, para aprender com seus erros, diz Mendes. Foto: Amanda Perobelli/Estadão

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Qual o principal fator por trás da baixa qualidade das políticas públicas no Brasil? 

Temos vários fatores. Em primeiro lugar, temos um sistema político-eleitoral que gera uma representação política muito fragmentada. Temos não apenas 20 e tantos partidos no Congresso como, dentro desses partidos, temos interesses completamente pulverizados. Muitas vezes os parlamentares respondem mais ao interesse de grupos específicos, ou que financiaram sua campanha ou ao qual ele pertence, do que ao interesse de uma programação político-partidária. Então, no Congresso, acabam sendo defendidos não os interesses da coletividade geral, mas os interesses daquele grupo que o parlamentar está defendendo. E aí não estão preocupados se aqueles interesses específicos vão gerar custos muito mais altos do que os benefícios que estão sendo gerados.

O jogo de interesses não faz parte dos sistemas democráticos?

Interesses existem em todas as sociedades, mas é preciso ter instituições políticas e eleitorais que filtrem esses interesses, equilibrem esses interesses e, sobretudo, joguem luz sobre esses interesses, para que o resto da sociedade, a imprensa, as organizações sociais questionem esses interesses e tenhamos um desenho de política mais adequado.

Há alguma outra particularidade no jogo de interesses no sistema político brasileiro?

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Outra característica muito importante da sociedade brasileira é a desigualdade. Quando temos uma sociedade muito desigual, o que o pobre quer é muito diferente do que o rico quer, e do que a classe média quer. Pobre quer assistência social, quer ajuda, quer emprego. O rico quer subsídios para suas empresas, quer proteção comercial. A classe média quer emprego público bem remunerado, quer universidade pública gratuita. Temos uma diversidade de interesses muito grande e esses diferentes interesses encontram caminhos para se viabilizar na política. Para não aumentar o conflito social, a política acaba aceitando todas essas demandas. Quando temos uma sociedade mais homogênea, mais igualitária, todo mundo quer mais ou menos a mesma coisa. Todo mundo quer que o país cresça, porque na hora em que crescer, isso será distribuído de forma igual para todo mundo, as pessoas têm mais ou menos o mesmo nível educacional, chances e perspectivas. Agora, num país como o Brasil, do que adianta falar em crescimento econômico se o cara que não sabe ler ou escrever dificilmente vai conseguir se apropriar de uma parte significativa desse crescimento econômico? O cara que está à margem não vai se beneficiar. O interesse dele é outro. O que ele quer são mais benefícios sociais financiados por mais impostos. Quando falamos em mais impostos, o cara que é rico vai gritar. Então, acabamos não aumentando o imposto e damos o benefício social. Aí, temos um país que se endivida e não vai para a frente porque tem uma dívida muito grande, paga muitos juros, a taxa de juros é muito alta.

Há soluções curto prazo para o problema?

Temos várias pequenas políticas públicas que, se forem feitas com razoável eficiência, vão melhorando as coisas ao longo do tempo. Por exemplo, o governo acabou de multiplicar quase por três o Bolsa Família criando o Auxilio Brasil. Se tivesse feito um desenho do Auxílio Brasil mais eficiente, o impacto sobre pobreza e desigualdade seria brutal, muito forte. Triplicamos o orçamento do programa. Só que triplicamos com um desenho ruim. Ao mesmo tempo, não investimos no coração do programa de transferência, que é o Cadastro Único, seja para incorporar as pessoas que caíram recentemente na pobreza, seja para diferenciar a família formada por uma mãe sozinha com três filhos da família formada por um indivíduo homem sem filhos. Teríamos que ter um tratamento diferenciado para essas duas situações. Investir no detalhe, olhar os números, planejar adequadamente, melhorar os meios de gestão das políticas públicas, melhorar as condições de trabalho de quem opera o Cadastro Único. Tudo isso faz muita diferença, então não são os grandes temas. Não existe um tiro de canhão que vai mudar o Brasil de um dia para o outro. Existem políticas públicas bem feitas, que ajudam a melhorar, e existem políticas públicas inadequadas, que não devem ser feitas.

O Bolsa Família é o caso de uma política pública bem avaliada, mas que, mesmo assim, é descontinuada?

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Estamos piorando uma política bem desenhada. Temos vários exemplos no Brasil em que foi possível desenhar boas políticas, aprendendo com os erros. O Plano Real foi baseado e desenhado aprendendo com os erros de todos os planos de estabilização anteriores. A resistência que está havendo hoje a uma interferência do Bolsonaro na Petrobras decorre do aprendizado do período anterior, em que houve o “petrolão” e uma interferência brutal do governo dentro da empresa, que gerou uma deterioração do balanço muito forte. Com o aprendizado, veio a Lei das Estatais, a melhoria da governança da Petrobras e hoje não se está repetindo o erro de uma interferência do presidente da República na empresa, por mais que o presidente queira. Conseguimos construir instituições que, pelo menos até agora, estão conseguindo resistir. Há casos em que aprendemos com os erros, há casos em que desenhamos boas políticas, mas, infelizmente, há casos de boas políticas que vão se deteriorando ou de políticas mal desenhadas desde o início. É muito fácil uma bandeira eleitoral de R$ 400 para cada família, mas, na prática, estamos perdendo o foco da política nas pessoas mais necessitadas.

Analisar as políticas públicas poderia ser a chave para fazer um ajuste fiscal sem prejudicar o atendimento da população?

É uma condição necessária. Quando não avaliamos, mantemos vivos programas que não são eficientes. Na área de assistência social, temos alguns programas que, claramente, são incapazes de reduzir a pobreza que consumem R$ 20 bilhões ou R$ 30 bilhões ao ano. Se pegamos esse dinheiro e colocamos em um programa mais eficaz, tenho muito mais resultados. O Auxílio Brasil está gastando R$ 90 bilhões. Recentemente, eu com dois coautores, desenhamos um programa em que estimamos que com R$ 65 bilhões teriam um poder muito grande em termos de redução da pobreza.

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O exemplo das emendas de relator no Orçamento mostra como a aplicação de recursos é desconectada de políticas públicas?

Estamos jogando fora pelo menos R$ 20 bilhões. Usando dinheiro publico não para melhorar a qualidade de vida do eleitor na ponta, mas, sim, para, muitas vezes, melhorar a qualidade de vida do fornecedor do equipamento público. Só que, com aquele dinheiro, poderia dar muito mais benefício se fizesse uma coisa mais eficiente. Na hora em que colocamos um caminhão de lixo superdimensionado numa cidade pequena, estamos jogando capital fora, gastando dinheiro com um capital produtivo que não vai ser produtivo, que vai ficar na garagem. Ideal seria acabar com as emendas de relator e voltar ao volume que era de cinco a oito anos atrás. (O aumento) Começou com 2015, quando as emendas começaram a se tornar obrigatórias. Depois que se tornaram obrigatórias, criaram as emendas de relator. Hoje, as emendas representam 24% de toda despesa discricionária. É um volume imenso, que não tem comparação internacional. 

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