Economistas veem como legítima defesa de PEC do auxílio emergencial por Campos Neto

O presidente do Banco Central atuou como representante da equipe econômica para evitar uma desidratação maior das medidas de controle de despesas previstas no texto

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Por Thaís Barcellos
6 min de leitura

Nas 24 horas anteriores à votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que libera uma nova rodada do auxílio emergencial, uma intensa negociação foi articulada para evitar uma desidratação maior das medidas de controle de despesas previstas no texto. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, atuou como representante da equipe econômica e se reuniu com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e líderes da base aliada do governo.

A maioria dos economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast não viu a escalação incomum do presidente do BC como problemática, diante do risco fiscal caso o texto da PEC fosse alterado, mas observaram que a atuação de Campos Netos ocorre pouco depois de a autoridade monetária ter se tornado legalmente autônoma. 

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Presidente do Banco Central, Campos Neto atuou como representante da equipe econômica e se reuniu com o presidente da Câmara e líderes da base aliada do governo. Foto: Marcos Correa/PR

Para o ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, está dentro das atribuições do BC colocar sua posição no debate político. A única parte curiosa é que essa posição destoa totalmente da opinião do presidente Jair Bolsonaro.

"Não é incomum ver os dirigentes de autoridade monetária no mundo se manifestando sobre a questão fiscal. Especificamente no caso da Lagarde (Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu) ficou mais visível recentemente, com declarações para estimular o uso de política fiscal, dando a entender que só o estímulo monetário não iria resolver. Yellen (Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA e ex-presidente do Federal Reserve) já fez o mesmo. Obviamente que não fez corpo a corpo, mas lá fora não tem tantas emendas à Constituição. No Brasil, ocorre toda hora", reconhecendo que o Brasil é mais frágil institucionalmente.

Nas conversas com as lideranças políticas, Campos Neto alertou para os riscos de uma flexibilização ainda maior nas contrapartidas consideradas essenciais pela equipe econômica para demonstrar compromisso do País com o equilíbrio das contas e evitar a disparada da inflação e dos juros. A PEC foi aprovada pelos deputados em primeiro turno, com o mesmo texto do Senado. A votação em segundo turno deve ser concluída ainda nesta quarta-feira, 10.

Questionado se o papel de articulação política não caberia ao ministro da Economia, Paulo Guedes, Schwartsman afirmou que Campos Neto pode ter sido escalado ou mesmo ter decidido agir por conta própria porque o ministro tem perdido sua credibilidade e mostrando "inabilidade em vários níveis".

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"Acho que está ficando claro que Guedes nunca foi mais que um animador de auditórios. Nesse aspecto se aproxima de Mantega (Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda no governo Dilma Rousseff). Eles são animadores diferentes, mas têm a mesma falta de profundidade, mesma falta de habilidade política. O Congresso perdeu o respeito por Paulo Guedes. Talvez até Campos Neto tenha tomado a iniciativa. Até porque Guedes não se manifesta. As declarações dele são de uma inabilidade extraordinária. Dizer que, se não fizermos nada, em seis meses viramos a Argentina e, em 12 meses, a Venezuela, tem tantos níveis de inabilidade que fica difícil listar. Soa como uma ameaça. Ele não entendeu qual é o papel de ministro."

Economista sênior da LCA Consultores e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Bráulio Borges disse não ver com bons olhos o presidente do BC negociando com o Congresso. "O presidente do BC ir até os políticos para negociar gera margens para muitos questionamentos, inclusive sobre a concessão de autonomia ao BC."

Segundo Borges, Campos Neto não é ou não deveria ser o articulador político do governo. "Ele é presidente do BC e precisa entender que preside uma instituição que acabou de ter sua autonomia do Executivo, ou seja, sua autonomia política", disse o economista.

Ele lembra que no passado, há cerca de 15 anos, quando o BC não tinha tanto autonomia, se via algumas pressões "espúrias" acontecendo. "Na época, alguns diretores do BC faziam lobby para o CMN [Conselho Monetário Nacional] reduzir a meta de inflação. Mas o BC não tem de questionar isso. Dada a meta, ele tem de cumprir. O que vemos acontecendo agora com essa interferência do Campos Neto é algo parecido", disparou o economista.

Segundo Borges, no fundo tem um pouco do instinto do Campos Neto de tentar salvar o governo do próprio governo, de tentar salvar a equipe econômica, tentando conter um pouco as tentações populistas que o Executivo tem tido. "Ele atua neste sentido, mas não devia fazer isso. Ele deveria buscar outros interlocutores no Ministério da Economia para fazer este tipo de articulação política", disse.

"Ele tem de entender que ocupa um cargo técnico que se tornou ainda mais técnico com aprovação do projeto recente. Antes a gente dava um desconto porque o presidente do BC tinha até status de ministro. Agora não. É um cargo técnico tal como deveria ser as agências reguladoras", criticou Borges.

Atuação para evitar que o barco afunde

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Para o ex-presidente do BC e sócio da Tendências Consultoria, Gustavo Loyola, é compreensível que Campos Neto tenha entrado em campo na negociação. "Não deveria ser o Campos Neto, mas é compreensível, fez o papel dele, no sentido de que quando o barco está afundando, todo mundo tem de ajudar a evitar que afunde. Sozinho, o BC não segura o barco, o barco afunda, não adianta. Pode aumentar os juros, fazer o diabo, intervir no câmbio. Ele fez o que deveria fazer pela responsabilidade que tem como presidente do BC. Agiu corretamente, inclusive porque tem efeito sobre a política monetária", afirmou.

Loyola argumentou que o quadro brasileiro é desolador e a reação do mercado é justificada e não puro nervosismo. "Vivemos de susto em susto."

Em sua visão, os fatores negativos sobre o Brasil não são de hoje e vêm se acumulando. São eles: o negacionismo do governo em relação à pandemia e a incompetência na sua gestão e em obter vacinas, que têm efeitos sobre vidas humanas e sobre a economia; o aumento do populismo do Planalto e o enfraquecimento do ministro Paulo Guedes; falta de medidas suficientes para dar segurança no âmbito fiscal; e a possibilidade de a eleição de 2022 ser polarizada entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"A situação se agravou nos últimos três dias com a ideia de que eleição de 2022 possa ser uma eleição polarizada entre Bolsonaro e Lula, que o eleitor vai ser obrigado a escolher entre o diabo e o capeta", diz, citando os problemas econômicos do governo petista e a aproximação do governo atual com o populismo, visto na intervenção do comando da Petrobrás e também possivelmente do Banco do Brasil.

O chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV, José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central, avaliou como "legítima" a atuação Campos Neto na negociação da PEC. Mas disse que, institucionalmente, agora com o BC formalmente independente, o ideal é que esse tipo de atuação não se repita com muita frequência.

"O ideal seria que os próprios políticos tivessem capacidade de entender as consequências de suas ações nos mercados", disse. Mas como na prática isso acaba não acontecendo, observa Senna, o Banco Central é dentro do governo quem tem mais condições de opinar sobre eventuais repercussões nos mercado financeiro de medidas de política econômica. "O Roberto Campos Netto é do ramo, muito competente e corajoso. Considero de certo modo natural que se busque a opinião dele sobre determinadas medidas de política fiscal."

Senna ressalta que não vê essa atuação de Campos Neto na linha de frente do Congresso como interferência da autoridade monetária nas questões fiscais. "Tem custo? Claro que tem, o BC acaba de ser declarado autônomo. O ideal é que esse tipo de atuação não aconteça com muita frequência."

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Para o economista, o momento é muito delicado, em meio ao aumento do risco fiscal e temor de medidas populistas de Jair Bolsonaro após o episódio de intervenção na Petrobrás. "Um passo em falso pode custar muito mais caro do que o custo que indiscutivelmente existe nesse tipo de evento", disse, destacando que o funcionamento dos mercados financeiros tem "indiscutivelmente" um grande impacto sobre a economia.

"O momento atual está muito conturbado, o nível de ruído é excessivo. O desconforto manifestado por agentes econômicos em geral e participantes do mercado financeiro em particular é muito elevado", afirmou. "Temos urgência grande. O Brasil não cresce há quatro décadas, a produtividade não anda. O ritmo de vacinação não ajuda no desempenho da atividade econômica." 

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