Economistas veem futuro do teto de gastos atrelado ao resultado das eleições

Apesar de o governo comemorar os sinais de melhoria do cenário fiscal, o mercado ainda teme mudanças na regra que limita os gastos públicos, seja em uma terceira gestão Lula ou no caso de reeleição do Bolsonaro

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Por Idiana Tomazelli
5 min de leitura

BRASÍLIA - O cenário mais favorável nas contas públicas, na esteira de inflação e crescimento maiores, tem alimentado debate sobre quão duradoura será a recuperação fiscal. Enquanto a equipe econômica tem confiança na melhora não só do nível do endividamento, mas também de sua trajetória futura, parte dos economistas mantém certa desconfiança. Há quem alerte que o futuro da âncora atual, o teto de gastos, dependerá do resultado das eleições em 2022.

O teto é a regra que limita o avanço das despesas à inflação. Sua criação em 2016 foi o que deu ao mercado financeiro maior previsibilidade sobre a trajetória de gastos do País e, assim, confiança para seguir financiando a União por meio da compra de títulos da dívida pública. O governo atribui ao teto a melhora nas expectativas, o que permitiu redução de juros, inflação e controle da dívida pública.

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Ministério da Economia mantém a confiança de que o nível de endividamento público vai melhorar ainda mais Foto: José Cruz/Agência Brasil

De outro lado, críticos do teto reclamam da compressão contínua de despesas com bolsas de pesquisa, obras e outras ações que compõem os chamados gastos discricionários, que perdem espaço à medida que as despesas obrigatórias (como salários e benefícios previdenciários) avançam.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que aparece nas pesquisas como o principal adversário de Jair Bolsonaro nas próximas eleições, já anunciou que, se eleito, vai propor a derrubada do teto. “Quando você dá R$ 1 bilhão para rico, é investimento e, quando você dá R$ 300 pro pobre, é gasto?! Nós vamos revogar esse teto de gastos”, escreveu o petista no Twitter.

Ao compartilhar a publicação de Lula, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ), um político de centro, afirmou que a proposta “não precisa assustar o mercado”, uma vez que, em sua avaliação, o ministro da Economia, Paulo Guedes, “descumpriu e desmoralizou o teto em troca da reeleição de Bolsonaro”. Depois, em nova publicação, Maia ressaltou que seu posicionamento foi “na defesa do teto de gastos”.

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Economistas acreditam que a regra pode ter destino semelhante mesmo sob uma segunda gestão Bolsonaro, com algum tipo de flexibilização para ampliar despesas, e isso teria efeito direto sobre o cenário fiscal futuro. 

Hoje, as projeções do mercado financeiro indicam uma dívida bruta, principal indicador de solvência observado por investidores, encerrando o ano em 84,1% do PIB – longe dos quase 100% apregoados no auge das incertezas da crise da covid-19 – e estabilizando no período à frente. Mas a manutenção do limite de gastos é tratada como condição mínima para a concretização desse cenário.

Sem uma “saída organizada” do teto, ou seja, uma regra de gastos crível para substituí-lo, a melhora futura estaria sob risco.

“A trajetória da dívida vai depender muito do que vai acontecer pós-eleição”, afirma o sócio e economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Leal de Barros. Para ele, a melhora atual é muito mais de nível da dívida, com a redução devido à arrecadação maior e também ao efeito base (PIB maior no denominador do cálculo), do que de trajetória. O economista vê um excesso de otimismo no mercado financeiro. “A partir de 2023, é tudo muito cinzento. É difícil ser assertivo”, afirma.

Tesouro

Em entrevista na semana passada ao Estadão/Broadcast, o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, disse que o órgão deve rever sua projeção para a dívida bruta em 2021 para 84% do PIB. Ele destacou que a redução da dívida neste ano gera uma melhora fiscal permanente para o futuro, mas reconheceu que a continuidade depende da agenda de reformas, em parte já aprovada no Congresso Nacional.

Segundo apurou a reportagem, o governo também vê mudança na trajetória da dívida no futuro. Internamente, a Receita Federal apontou sinais de um crescimento estrutural das receitas, o que pode influenciar o resultado primário a partir de 2022. Economistas, porém, são mais cautelosos na avaliação sobre a arrecadação porque a pandemia mudou o padrão de consumo dos brasileiros, que estão concentrando gastos em bens (mais tributados) em vez de serviços, fenômeno que pode se reverter à medida que a vacinação contra covid-19 avançar no País. Além disso, a inflação também está influenciando fortemente as receitas do governo.

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Barros afirma que o próximo presidente terá maiores dificuldades para cumprir o teto, sobretudo se Bolsonaro levar adiante seus planos de elevar despesas. “Se a decisão for aumentar o Bolsa Família, é gasto permanente, ocupa espaço no teto não só em 2022, mas 2023, 2024, assim por diante. Isso cria uma dificuldade para cumprir o teto. Para não ter problema, só com uma ótima reforma administrativa, o que eu não acredito. E isso é importante, porque volta a colocar o debate sobre o cumprimento do teto na mesa”, afirma.

Nesta semana, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado traçou um cenário mais benigno para as contas públicas brasileiras, mas afirmou que o ajuste fiscal está longe de ter sido alcançado. Segundo o diretor executivo da IFI, Felipe Salto, o teto ganhou “sobrevida” com a melhora fiscal de 2021 e, agora, tem risco alto de descumprimento só em 2027. Mesmo assim, ele ressalta a permanência dos mesmos problemas estruturais.

“Nada hoje é líquido e certo”, afirma Salto. “É difícil e incorreto não reconhecer a melhora, mas, do ponto de vista estrutural, nada foi feito além da reforma da Previdência”, diz. Segundo ele, se os sinais da política fiscal começarem a “se embaralhar”, o Banco Central pode ser forçado a elevar ainda mais os juros, o que afetaria diretamente a trajetória da dívida pública.

No cenário base da IFI, a dívida encerra este ano em 85,6% do PIB e se estabiliza entre 2026 e 2027, chegando a 85,5% do PIB em 2030. Em um cenário otimista, o indicador cairia a 83,9% do PIB já este ano e a 64,3% do PIB no fim da década.

O economista Guilherme Tinoco, especialista em contas públicas, alerta que o crescimento mais robusto que será observado em 2021, na casa dos 5%, não se repetirá no ano que vem. “Para a trajetória da dívida continuar boa, vai depender do crescimento”, diz. Além disso, ele observa que o cenário hoje ainda é pior do que no momento da criação do teto de gastos.

Tinoco também questiona até que ponto o governo conseguirá se manter com a mão tão firme sobre as despesas diante das pressões por reajustes salariais a servidores. Ele observa ainda que será preciso ficar atento a eventuais tentativas de gastos fora do teto com objetivos eleitorais.

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